Criada em 17 de julho de 1996, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) completou 20 anos neste domingo (19). Na manhã de hoje (18), houve uma cerimônia solene de comemoração no Palácio Conde de Penafiel, sede da CPLP, em Lisboa.
O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou no evento que a CPLP é um projeto bem-sucedido, embora haja algumas “insatisfações, angústias e expectativas não cumpridas”. Apesar das dificuldades que a jovem comunidade enfrenta, Rebelo de Sousa afirmou acreditar que os objetivos principais foram mantidos e ressaltou a importância dos objetivos no âmbito econômico, energético, ambiental e de segurança alimentar.
“A CPLP é um projeto bem-sucedido, mas é um projeto de futuro. Podemos e devemos acreditar no futuro da CPLP, na sua vocação universal”, disse o presidente português.
O secretário executivo da CPLP, Murade Muragy, afirmou durante a cerimônia que é preciso trabalhar para uma agenda comum, “na identificação de áreas prioritárias de intervenção, na adequação dos recursos humanos, técnicos e financeiros para a CPLP ser mais útil, mais eficiente”.
“A CPLP não pode ficar alheia às tendências estratégicas mundiais, regionais e sub-regionais que caminham para aceleradas integrações políticas e econômicas. Não deve ficar refém da nostalgia da língua portuguesa e deixar de aproveitar as oportunidades que o mundo multipolar contemporâneo nos oferece, tanto em conexões como em oportunidades de criar cadeias de valor”, afirmou Muragy.
A comunidade é o foro multilateral para o aprofundamento da amizade mútua e da cooperação entre Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Tem personalidade jurídica, é dotada de autonomia financeira e conta com seis Estados com a categoria de Observador Associado (Geórgia, Japão, Maurícia, Namíbia, Senegal e Turquia) e com 64 instituições como observadores consultivos.
Objetivos
Os três objetivos centrais da comunidade são a concertação político-diplomática; a cooperação em todos os domínios; e a promoção e difusão da língua portuguesa.
Para o diplomata Paulo André Moraes de Lima, chefe da Coordenação-Geral da CPLP, do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, o fato de o Brasil ser o Estado-Membro com maiores território, população e Produto Interno Bruto (PIB) dá ao país a oportunidade de projetar interesses e posições. “Nos dá uma possibilidade de projeção em outros fóruns internacionais, por exemplo, na ONU [Organização das Nações Unidas], quando a gente chega como um bloco. Acontece também na Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura], na ONU em Genebra, em questões como trabalho, saúde. O apoio da CPLP foi muito importante em certas candidaturas brasileiras em foros internacionais estratégicos para o Brasil, como a do José Graziano, na FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura], e do Roberto Azevêdo, na OMC [Organização Mundial do Comércio]. Esses apoios mútuos são muito importantes.”
Assim como o presidente de Portugal, o diplomata Morais de Lima acredita que a CPLP vem colhendo frutos bem-sucedidos durante o processo de amadurecendo. “Ela [a CPLP] ainda está em fase de consolidação e ainda tem desafios pela frente. Na área de concertação política, por exemplo, a CPLP desempenhou papel muito importante no acompanhamento de algumas crises nos Estados-Membros, como no processo de emancipação do Timor-Leste – que nem era Estado-Membro porque não era um Estado mas, assim que se tornou independente, passou a integrar a CPLP imediatamente. Acompanha a Guiné-Bissau permanentemente, que é um país que ainda apresenta alguma instabilidade institucional”, disse.
“A CPLP organiza missões de observação eleitoral aos Estados-Membros que pedem, e foi importante para o fortalecimento institucional de países que se constituíram como Estado mais recentemente. Na área da cooperação, há um potencial que ainda não foi totalmente explorado e, para o Brasil, é um lugar em que a gente consegue desenvolver nossa política de cooperação Sul-Sul. Em relação à língua, talvez seja o ponto onde tenhamos avançado menos. O Instituto Internacional da Língua Portuguesa tem desenvolvido um importante trabalho. Ainda há um imenso potencial não explorado”, completou.
Por outro lado, para Enilde Faulstich, professora e pesquisadora de Políticas Línguísticas da Universidade de Brasília, os objetivos de promoção e difusão da língua portuguesa vêm sendo alcançados.
“Um caso exemplar é o do Timor-Leste, que, na Oceania e cercado de línguas distintas, esforça-se na coordenação estratégica de difundir a língua portuguesa no Estado. Então, a promoção e difusão vão muito bem, se considerarmos como ponto de partida onde estou, no Brasil. Ilustramos com o grande número de professores brasileiros que ministram aulas de português em universidades estrangeiras e com obras escritas por brasileiros que estão no mercado livreiro internacional. É preciso destacar, por sua vez, que escritores moçambicanos, angolanos, cabo-verdianos estão no mercado editorial brasileiro, como vi, há duas semanas, diversos livros de literatura escritos por africanos, à venda por livreiros em um Encontro Nacional de que participei em São Paulo”, afirmou Enilde.
Para o diplomata Morais de Lima, um dos principais desafios da CPLP atualmente é o de não duplicar as agendas. “Como todo organismo internacional, a comunidade tende a duplicar agendas no sentido de que temas que são tratados no âmbito das Nações Unidas ou da Unesco naturalmente acabam sendo replicados, o que não é uma coisa negativa em si. A questão é quando acaba desenvolvendo iniciativas paralelas e duplicadas em determinados assuntos. A CPLP precisa aprimorar qual é o seu nicho de atuação. Um desafio é como a gente vai se integrar à agenda global sem duplicar esforços”, disse.
O diplomata afirmou ainda que as crises econômicas acabam por vezes dificultando a participação dos países na comunidade. “Isso tem um impacto negativo no sentido de que a capacidade dos países de dar contribuições fica reduzida, mas é algo conjuntural, e a gente espera que essa situação seja superada. Quando o país está numa crise política, ele tende a se fechar mais em si mesmo, e a participação nos fóruns internacionais fica prejudicada porque a prioridade é interna.”
Para a professora Enilde, uma comunidade que pretende viver em comunhão não pode ser discutida por grupos que não interferem nos grandes negócios. “ A língua tem valor econômico que precisa ser considerado no âmbito do Produto Interno Bruto de cada país. A CPLP precisa enxergar que valor econômico e PIB seguem uma geografia, a geografia do dinheiro, que é um dos fundamentos da riqueza dos povos. O outro fundamento é a língua. Nenhuma comunidade mundial é capaz de se desenvolver sem esse fundamento cultural, sem se comunicar, sem interagir. Assim sendo, no desenvolvimento dessa geografia e no desempenho do PIB linguístico e cultural, quem interfere é a sociedade civil, aquela que está nas escolas, nas universidades, nos institutos de pesquisa. Nesses lugares, a língua é objeto de fala, de escrita e de produção escolar, literária, intelectual.”
Sobre as políticas brasileiras de promoção e difusão da língua portuguesa, a professora ressalta a importância da Missão do Brasil Junto à CPLP, com sede em Lisboa, que dispõe de dados relevantes sobre a língua portuguesa como “materna multinacional”. Ela afirma ainda que a preservação da regra do consenso na comunidade é um êxito, pois não há predominância de nenhum Estado-Membro sobre outro.
Em novembro, o Brasil deverá assumir a presidência rotativa da comunidade pelos próximos dois anos, ocupada atualmente pelo Timor-Leste.