A Anistia Internacional denunciou que uma coalizão liderada pela Arábia Saudita utilizou armamentos fabricados no Brasil em três ataques no Iêmen nos últimos 16 meses. Segundo a entidade, o primeiro foi documentado em outubro de 2015, o segundo em maio de 2016 e o terceiro ocorreu, às 10h30, do dia 15 de fevereiro deste ano. Neste foram atingidas três áreas residenciais e uma área rural na cidade de Sa’da, ferindo dois civis e causando danos materiais.
Segundo a Anistia Internacional, o uso, a produção, a venda e o comércio de munições cluster, um tipo de projétil, que se abre no ar e espalha submunições explosivas e podem ser jogados ou disparados de um avião ou lançados de foguetes superfície-superfície, é proibida nos termos da Convenção sobre Munições Cluster (CCM), de 2008, subscrita por mais de 100 países signatários.
O Brasil não assinou a convenção e é um dos principais produtores mundial deste tipo de munição, ao lado de Estados Unidos, China, Índia, Rússia, Israel e Paquistão, que também não são signatários da CCM.
De acordo com a diretora de pesquisa do escritório da Anistia Internacional em Beirute, Lynn Maalouf, a coalizão liderada pela Arábia Saudita justifica de modo absurdo o uso de munições cluster, alegando que está em conformidade com a lei internacional.
“As munições cluster são, de forma inerente, armas que infligem dano inimaginável às vidas civis. O uso de tais armas é proibido pela lei internacional humanitária em qualquer circunstância. À luz de evidências crescentes é mais urgente do que nunca que o Brasil faça sua adesão à Convenção sobre Munições Cluster e que a Arábia Saudita e os membros da coalizão parem todo uso destas armas”, disse a diretora.
A Anistia Internacional informou que entrevistou oito moradores do local, inclusive duas testemunhas, sendo que uma delas foi ferida no ataque. Além disso, manteve contato com um ativista local e analisou fotos e vídeo fornecidos pelo Yemen Executive Mining Action Center, que inspecionou a área 30 minutos após o ataque. Vestígios identificados pela Anistia Internacional mostram que o ataque partiu de um foguete Astros II superfície-superfície, um sistema de lançamento múltiplo, carregado por caminhão, fabricado pela empresa brasileira Avibras.
Conforme testemunhas, os foguetes atingiram as áreas residenciais de Gohza, al-Dhubat e al-Rawdha, atingindo, ainda, na dispersão de submunições, casas em al-Ma’allah e Ahfad Bilal, cemitérios novos e velhos no centro da cidade e áreas agrícolas.
Falhas
A Anistia Internacional chamou atenção, ainda, para a elevada taxa de falhas desses armamentos, o que, para a entidade, significa que uma alta quantidade deles não explode no momento do impacto, tornando-se minas terrestres que representam uma ameaça para os civis durante anos após o ataque.
A entidade informou ainda que após ter documentado o uso de munições cluster, pela primeira vez em outubro de 2015, enviou uma carta formal à Avibras.
Por meio de nota, a Avibras informou que todos os produtos de defesa fabricados por ela respeitam estes aspectos humanitários e não poderia avaliar as origens dos artefatos encontrados no Iêmen por não ter acesso ao local do conflito.
“É importante destacar que os artefatos produzidos atualmente pela Avibras diferem dos mostrados pelas imagens dos noticiários, principalmente quanto ao confiável dispositivo de autodestruição que atende aos princípios humanitários e legislações no âmbito da ONU, bem como de Oslo”, informou a empresa.
A Avibras disse que, na produção e no fornecimento de seus produtos de defesa, “sempre cumpriu as legislações e os requisitos estabelecidos para o setor, inclusive os acordos internacionais no âmbito da ONU [Organização das Nações Unidas] e os acordos nos quais o Brasil é signatário”.
A empresa acrescentou que as suas exportações são autorizadas por órgãos públicos brasileiros competentes e “destinadas a nações amigas que também cumprem estas legislações”.