Cármen Lúcia deixa comando do STF com remorso por caso de Lula?

Brazil's Supreme Court President Carmen Lucia looks on during a meeting with Brazil's Lower House President Rodrigo Maia (not pictured) in Brasilia, Brazil, January 24, 2018. REUTERS/Ueslei Marcelino

Fã de Michel Temer, Cármen Lúcia dá adeus ao comando do Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira 13 com uma proeza. Nunca um presidente do STF teve a casa pichada. O prédio onde possui um apartamento em Belo Horizonte levou uns petardos de tinta vermelha em 6 de abril, um dia após a Corte negar um habeas corpus ao ex-presidente Lula e assim garantir a prisão dele.

Logo depois da pichação, Cármen conversou com alguns assessores. Um deles hoje em dia diz ter ouvido o seguinte comentário da juíza mineira: “Ele [Lula] não devia ter sido preso”.

Recorde-se: Cármen foi decisiva na prisão do petista por ter posto em julgamento o HClulista, negado a ele por 6 votos a 5, em vez de pautar duas ações que impediriam a prisão de qualquer pessoa condenada por um tribunal de segunda instância, tema em que havia mais chance para Lula.

Em 14 de agosto, a juíza de 64 anos, indicada ao STF pelo ex-presidente em 2006, recebeu uma comitiva de juristas e personalidades. E deixou em ao menos um dos presentes a impressão de realmente ter dúvidas quanto à prisão de Lula.

Foi um encontro duro para Cármen. Por uma hora, ela escutou manifestações pesadas de Adolfo Pérez Esquivel, argentino de 86 anos ganhador do Nobel da Paz de 1980, de João Pedro Stédile, líder do MST, de Osmar Prado, ator global, de Frei Sérgio, um dos que faziam greve de fome por Lula, de alguns juristas.

Prado, com quem Cármen falaria depois sobre novelas da Globo, citou a morte de Marisa Letícia, mulher de Lula, o suicídio do reitor catarinense Luiz Carlos Cancellier, acusado indevidamente pela Polícia Federal (PF), e o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio, como mortes políticas e cobrou: “Quantos outros ainda vão ter de morrer?”.

No relato de um dos presentes, alguém que já tinha estado em reuniões com Cármen anteriormente, a juíza mostrou-se inusualmente “tocada”. “Sei que vocês fazem isso pelo País, não por razões partidárias”, teria dito a juíza. E, no caso específico de Lula: “Vou pensar com carinho no que vocês disseram”, “vou ver o que posso fazer”.

Oito dias depois de Cármen decidir pautar o HC de Lula, em vez das ações capazes de salvá-lo provisoriamente do cárcere, Michel Temer recebeu um emissário do petista no Palácio do Planalto. Era 29 de março, dia de uma batida da PF que prenderia amigos do presidente suspeitos de ajudá-lo em fraudes no setor portuário.

O emissário pediu a Temer para falar com o único do juiz do STF indicado pelo emedebista, Alexandre de Moraes, sobre a soltura de Lula. “Esse aí está igual ao de vocês”, teria respondido Temer, em referência ao comportamento, digamos, insensível de quase todos os nomeados por Lula e Dilma Rousseff para a corte.

No PT, há quem ainda espere algum gesto de Temer, ungido por Lula a vice de Dilma, capaz de ajudar o prisioneiro a sair do cárcere antes do fim do mandato do emedebista.

A partir da quinta-feira 13, pautar aquelas duas ações capazes de tirar Lula provisoriamente da cadeia será atribuição de Dias Toffoli, paulista que sucederá Cármen à frente do STF. O que esperar dele? Por ora, nada – apesar de o juiz achar que uma pessoa deveria ser presa somente após condenada em terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Alguns meses atrás, Toffoli participou de um jantar em São Paulo com empresários simpatizantes do presidenciável tucano Geraldo Alckmin e foi sondado a respeito das ações. Comentou, segundo uma testemunha, que o papel do Judiciário é estabilizar o País, não criar instabilidade. Para essa testemunha, não ficou dúvida de que não pautará o julgamento das ações agora.

A propósito: segundo a Folha de S. Paulo, Toffoli convidou para ser seu secretário de Comunicação no STF o jornalista Marcio Aith, que ocupou cargo equivalente no governo Alckmin e hoje é do time da campanha presidencial tucana.

Um petista que conversou várias vezes com Toffoli na casa deste em Brasília e hoje usa uma palavra forte para descrever a, digamos, falta de coluna vertebral do juiz, não se ilude. Segundo ele, as duas ações não entrarão em pauta este ano, só em 2019. Toffoli, diz, acha que o caso Lula precisa “decantar” um pouco, que o ambiente nos bastidores supremos é terrível.

No mundo jurídico, aposta-se que o mais jovem presidente da história da Corte (Toffoli tem 50 anos) fará uma gestão melhor do que Cármen. Por um motivo simples: “É impossível não ser melhor do que a Cármen”, resume um magistrado de alta corte na capital federal.

Entre colegas de toga, advogados, funcionários do STF e até assessores dela, é difícil ouvir algo elogioso sobre a gestão de Cármen, iniciada em setembro de 2016. No geral, a mineira de 64 anos é apontada como alguém sem expressão e liderança, de baixa capacidade técnica na área penal, a do momento, pouco dada ao diálogo e à sinceridade.

Há queixas quanto à disposição dela para investigar a vida de subordinados nas redes sociais (um deles diz ter sido alvo), de seu medo da Rede Globo (seu gabinete estava sempre aberto a alguém da emissora), seu gosto por frases de efeitos (contratou como assessor um frasista da web).

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), espaço propício à reflexão sobre os rumos do Judiciário e sempre comandado pelo chefe do STF, sumiu de cena.

A juíza deixou os colegas de STF expostos à vigilância externa, ao entregar a chefia da segurança da Corte a uma delegada da Polícia Federal, Regina Alencar Machado da Silva. Até então, o cargo era ocupado por seguranças próprios do tribunal.

Agora a PF conhece a rotina dos juízes do Supremo, acumulou conhecimentos sobre os telefonemas dos juízes, entre outras. Informações valiosas para policiais que, às vezes, batem de frente com tribunais por causa do alcance e da duração de investigações.

“Carminha”, como é chamada por amigos, posou inicialmente de durona no trato com políticos, no embalo da Operação Lava Jato e do impeachment de Dilma. Depois, recebeu em casa, de fim de semana e fora da agenda, Michel Temer, denunciado ao STF duas vezes por crimes. A explicação? Admiração de fã, provavelmente.

Seus sentimentos por Temer ganharam as ruas em 7 de março, em um evento de 25 anos da Advocacia Geral da União (AGU), o time de defensores do governo federal. Em dez minutos de discurso, Cármen citou Temer seis vezes, a sorrir na direção dele, parecia que o presidente era o centro da festa.

Chamou-o de “meu professor”, contou ter aprendido muito com ele ao tornar-se procuradora de Minas Gerais, em 1983, época em que Temer chefiava os procuradores paulistas. Houve até um momento confessional: “Agora, senhor presidente, eu fiquei com uma pena de mim, porque eu não tenho mais 25 anos…”

O encontro de fim de semana com Temer foi evocado por aqueles militantes lulistas revoltados com o procedimento de Cármen que levou Lula à cadeia em abril. A rua do prédio da juíza foi pintada com os dizeres “Lula livre” e “Cármen Lúcia golpista”. E enfeitada por um cartaz com a foto daquele encontro dela com Temer em sua casa em um sábado de março.

Mas até que houve quem tenha agido de forma oposta e rendido homenagens a Cármen. O cafetão de luxo Oscar Maroni, dono do Bahamas, de São Paulo, por exemplo. Em 2016, ele havia prometido dar cerveja de graça quando o petista fosse em cana. Cumpriu a palavra. Na hora da cervejada, o Bahamas exibia um cartaz com a foto de Cármen e do juiz Sérgio Moro.

Curiosidade: Maroni é hoje candidato a deputado federal por São Paulo. Concorre pelo partido PROS, legenda que integra a chapa presidencial do PT

A aposta numa gestão melhor de Toffoli baseia-se também em certos atributos do juiz, não apenas na comparação com Cármen. Ele trabalhou no governo (Lula) e no Congresso (com o PT), tem mais traquejo administrativo, sabe da importância de conversar com colegas, com os outros poderes da República.

No mundo jurídico brasiliense, há quem julgue haver pistas de que Toffoli vai mexer em um vespeiro, como certas mordomias togadas, férias de 60 dias, penduricalhos salariais.

No fim de agosto, ele foi a Temer acertar que, se o presidente sancionasse o aumento salarial de 16% do STF, em troca a corte acabaria com o famigerado auxílio-moradia. Levou para a reunião o colega Luiz Fux, que será seu vice-presidente e é o autor da liminar que há quatro anos universalizou a mordomia no País.

Também há prognósticos de que Toffoli irá ressuscitar o CNJ e levá-lo a debater coisas como encarceramento massivo (políticas estaduais de prender pessoas a rodo que levaram, por exemplo, ao fortalecimento do PCC em São Paulo), audiências de custódia (decisões sumárias e imediatas de juízes diante da detenção de suspeitos) e qual quantidade, afinal, caracteriza tráfico de drogas.

As várias estocadas em abusos da Lava Jato prenuncia tempos difíceis para os juízes Sérgio Moro e Marcelo Bretas. É por esta razão que Carminha, conta um auxiliar, dissemina que o sucessor tem um pacote pró-impunidade de corruptos.

É possível que Toffoli bote em julgamento no CNJ o caso do grampo ilegal autorizado e divulgado por Moro de um telefonema da então presidente Dilma com Lula. Um processo que Cármen nunca tirou da gaveta e que, se for tirado mesmo, terá ao menos um voto por condenar Moro, preparado por um certo membro do CNJ.

Uma pesquisa feita em junho pelo Datafolha mostrou que 31% dos brasileiros não confiam na Justiça, número que era de 25% em abril do ano anterior. No caso do STF, situação pior: 39% não confiam, ante 29% em 2012.

Tentar desfazer o estrago na imagem da Justiça mais mais cara (custa 1,4% do PIB) e exibida (em 2002 abriu um canal de TV, só o México copiou o exemplo, em 2006) do mundo será um grande desafio do novo presidente do Supremo.

Fonte/cartacapital.com.br/

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