Cármen Lúcia suspende decisões que impediam manifestações nas universidades

“Toda forma de autoritarismo é iníqua. Pior quando parte do Estado”, disse ministra Cármen Lúcia na decisão

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu liminarmente os efeitos de decisões que impediam manifestações nas universidades públicas.

Pela liminar concedida na ADPF 548, ficam suspensos “os efeitos de atos judiciais ou administrativos, emanado de autoridade pública que possibilite, determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenhos.”

Na decisão, a ministra afirmou que o judiciário não pode impor barreiras à liberdade de pensamento dos cidadãos. “Liberdade de pensamento não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo que a pode até mesmo contrapor ao Estado. Por isso não pode ser impedida, sob pena de substituir-se o indivíduo pelo ente estatal, o que se sabe bem onde vai dar. E onde vai dar não é o caminho do direito democrático, mas da ausência de direito e déficit democrático”, escreveu.

“Exercício de autoridade não pode se converter em ato de autoritarismo, que é a providência sem causa jurídica adequada e fundamentada nos princípios constitucionais e legais vigentes”, ela acrescentou.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi ajuizada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, depois de várias decisões de tribunais regionais eleitorais contra a aposição de faixas nas fachadas das universidades e manifestações de professores e alunos. Dodge argumenta na ação que, a pretexto de observar o artigo 37 da Lei 9507/1997 – que veda a realização de propaganda eleitoral em bens públicos -, foram praticados atos que afrontam princípios constitucionais.

A ministra Cármen Lúcia concordou com a argumentação. E afirmou que a lei não quis impor limites aos eleitores, mas garantir a liberdade do cidadão.

“A finalidade da norma que regulamenta a propaganda eleitoral e impõe proibição de alguns comportamentos em períodos especificados é impedir o abuso do poder econômico e político e preservar a igualdade entre os candidatos no processo. A norma visa o resguardo da liberdade do cidadão, o amplo acesso das informações a fim de que ele decida segundo a sua conclusão livremente obtida, sem cerceamento direto ou indireto a seu direito de escolha”, ela ponderou.

Sem liberdade – de manifestação do pensamento, de informação e de ensino e aprendizagem, de escolhas políticas – “não se tem processo eleitoral plural, como inerente à democracia a ser construída e garantida e no qual comparece a eleição como instrumento imprescindível à sua dinâmica”, a ministra acrescentou.

“Sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente. O que é para ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral, próprio das ditaduras”, enfatizou. E acrescentou que “toda forma de autoritarismo é iníqua. Pior quando parte do Estado”.

Leia a íntegra da decisão.

Casos

O caso mais notório ocorreu na Universidade Federal Fluminense (UFF). A Justiça Eleitoral determinou a retirada de uma faixa com o texto “Direito UFF Antifascista”.

Mesmo sem referência a nome de candidatos, as denúncias que chegaram à Justiça Eleitoral afirmavam que o conteúdo era negativo e prejudicaria a candidatura de Jair Bolsonaro, do PSL.

Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), houve ação policial para a retirada também de faixas. No Rio Grande do Sul, houve decisão judicial impedindo a manifestação “Contra o fascismo, pela Democracia”.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, havia manifestado defesa da autonomia e independência das universidades. “O STF, como guardião da Constituição Federal, sempre defendeu a autonomia e a independência das universidades brasileiras, bem como o livre exercício do pensar, da expressão e da manifestação pacífico”, afirmou o ministro.

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, no início da sessão de sexta-feira (26/10), afirmou que a “prévia e escrita ordem da Justiça Eleitoral é pressuposto para toda e qualquer constrição de direito” e que “eventuais excessos merecem a devida apuração”.

A magistrada fez, ainda, uma defesa dos princípios constitucionais que garantem o pluralismo de ideia e as liberdades de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento das instituições de ensino.

“A atuação do poder de polícia – que compete única e exclusivamente à Justiça Eleitoral – há de se fazer com respeito aos princípios regentes do Estado Democrático de Direito”, alertou.

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