Durante visita à Irlanda, o papa Francisco reconheceu neste sábado (25) sua “vergonha e sofrimento” ante o “fracasso” da Igreja por não haver combatido de forma adequada os casos de abusos sexuais do clero na Irlanda, diante de autoridades políticas e civis.”
O fracasso das autoridades eclesiásticas -bispos, superiores religiosos, sacerdotes e outros- em lidar adequadamente com esses crimes repugnantes, deu motivo justamente à indignação e continua sendo uma fonte de dor e vergonha para a comunidade católica. Eu mesmo compartilho desses sentimentos”, declarou o pontífice.
O papa Francisco chegou neste sábado à Irlanda para o encerramento do Encontro Mundial das Famílias, mas a questão em torno da qual sua visita se concentrará será aos abusos do clero.
Em sua chegada, o pontífice foi recebido pelo ministro irlandês das Relações Exteriores, Simon Coveney.Sua 24ª viagem ao exterior acontece em um momento muito sensível para a Igreja Católica, abalada na semana passada pelas revelações de abusos sexuais cometidos no passado nos Estados Unidos e por uma série sem precedentes de recentes renúncias de hierarcas suspeitos de fazer cumprir a lei do silêncio no Chile, na Austrália e nos Estados Unidos.Durante sua visita de dois dias, o papa quer “lembrar o papel fundamental da família na vida da sociedade e na construção de um futuro melhor para os jovens”, segundo afirmou em uma mensagem de vídeo divulgada antes de sua chegada.
O porta-voz do Vaticano, Greg Burke, advertiu que não se pode esperar de uma viagem tão curta uma “mudança cultural” que vai além da Igreja.
“Há, obviamente, um problema cultural. Na Igreja, mas não somente nela, vemos muito na sociedade. É um problema cultural e a Igreja vai assumir a sua responsabilidade, são pecados muito graves”, assegurou nesta sexta-feira (24) à emissora pública irlandesa RTE.
“Acredito que a primeira coisa que o papa vai fazer é reconhecer [o problema]. Quanto a agir, isso vai acontecer, mas não será algo de um dia para o outro”, explicou.
Francisco presidirá neste sábado o Encontro das Famílias no estádio Croke Park de Dublin, onde mais de 80 mil pessoas são esperadas, e vai celebrar no domingo (26) a missa de encerramento do evento no Phoenix Park em Dublin, onde são esperados meio milhão de fiéis.
Seus discursos previstos serão analisados detalhadamente em torno da delicada questão dos abusos perpetrados pela Igreja irlandesa. O papa vai se reunir discretamente com vítimas de abusos sexuais neste fim de semana.
Desde 2002, mais de 14.500 pessoas declararam-se vítimas de abusos sexuais por padres na Irlanda.
Na semana passada, o enorme escândalo de pedofilia no estado americano da Pensilvânia, levou o papa Francisco a divulgar uma carta sem precedentes aos 1,3 bilhão de católicos do planeta. A carta reconhece que a Igreja esteve a altura e que “descuidou e abandonou as crianças” e “o que pode ser feito para pedir perdão nunca será suficiente”.
NÃO AO PAPA
À margem da visita do papa, estão previstas manifestações.
Milhares de internautas irlandeses pediram no Facebook um boicote em massa ao papa e à missa de Phoenix Park.
Em Thuam (oeste), uma vigília será realizada em memória dos 796 bebês mortos entre 1925 e 1961 no albergue católico das Irmãs do Bom Socorro e que foram enterrados em uma vala comum.
“A visita do papa é muito dolorosa para muitos sobreviventes (de abusos). Desperta velhas emoções. Vergonha, humilhação, desespero, raiva”, declarou Maeve Lewis, diretora da associação One in Four, que ajuda vítimas.
“É um fim de semana de emoções mistas”, resumiu o ministro da Saúde da Irlanda, Simon Harris, no Twitter. “Para muitos, o entusiasmo [por ver o papa], para outros, um sentimento de dor”, escreveu ele.
A Igreja perdeu influência na sociedade irlandesa nos últimos anos.
A missa do papa Francisco também deve atrair três vezes menos fiéis do que durante a visita de João Paulo 2º em 1979, a última visita pontifícia ao país.
Desde então, a proporção de católicos em uma população de cerca de cinco milhões passou de mais de 90% para menos de 80%.
Na frente política, a Irlanda legalizou o casamento gay em 2015, elegeu um primeiro-ministro gay, Leo Varadkar, em 2017, e autorizou o aborto em maio. Com informações da Folhapress.