A classe artística de Manaus tem demonstrado grande insatisfação com a Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos – Manauscult, na gestão do prefeito David Almeida.
Entre as diversas reclamações está a demora, e o não cumprimento de prazos, na publicação dos resultados de editais e, segundo os próprios artistas, isso acontece desde o início desta gestão.
O início das reclamações se deu ainda em 2021, quando o prefeito David Almeida nomeou advogados e candidatos a vereador não eleitos, que foram seus apoiadores durante a campanha, para diversos cargos na Manauscult. Muitos deles sem capacidade técnica para os cargos. Na época houve uma mobilização geral da classe artística na Internet com frases como “Respeite a Cultura. Ela não é cabide de emprego”. Com a pressão da classe, o prefeito foi obrigado a exonerar grande parte deles, mas as reclamações não pararam por aí ao longo dos seus três anos de mandato. Muitos artistas reclamam da falta de diálogo da gestão municipal com a classe artística, além da falta de valorização da arte local em comparação com os artistas de nível nacional. De acordo com o cantor e ator Jorge Dias, houve várias tentativas de diálogo dos artistas com a Manauscult e com o próprio prefeito, mas todos sem sucesso. Ele diz ainda que os cachês pagos pela Manauscult aos artistas locais estão defasados e precisam ser revistos.
Alguns representantes de classe e conselheiros estaduais de Cultura representantes da sociedade civil, que também são artistas do município, protocolaram na semana passada uma carta aberta ao prefeito David Almeida, onde solicitam uma reunião com ele e os artistas de Manaus para discutirem várias pautas, entre elas, a nomeação da nova presidência da Manauscult. Eles reforçam a falta de diálogo por parte da prefeitura com os artistas e dizem que nunca houve uma convocação formal, e nem informal, da Manauscult para que esse diálogo acontecesse.
Francis Madson – Conselheiro de Cultura do Município na cadeira de Teatro e Circo – diz que há um descompasso entre os fazedores da cadeia produtiva da cultura local e os gestores culturais do município.
“A Gestão Cultural no Brasil avançou demais nas últimas décadas, mas em Manaus, nós ficamos à deriva por ter escolhido a cópia de um modelo de gestão cultural ultrapassada, que não tem diálogo participativo e democrático com a classe. O que vivemos hoje na gestão da cultura da Manauscult é simplesmente o reflexo de uma gestão que visa mais o “marketing político” que a real preocupação com o “fazer cultural”, com a diversidade, com a economia criativa e os saberes dos povos”.
O Reviossônon Obá Mejí, Alberto Jorge Silva, fundador e mantenedor da Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé, e gestor do Festival Afro Amazônico de Yemanjá – um festival que acontece há 12 anos em Manaus – relata uma série de descasos por parte da Manauscult desde o início da gestão com relação ao Festival.
“Apesar de outros problemas com a Manauscult, as tratativas sobre a solicitação de apoio ao Festival Afro Amazônico de Yemanjá para o ano de 2023, foram feitas ainda em julho do ano passado durante uma reunião com o então presidente da Manauscult Alonso Oliveira e o secretário de cultura do Amazonas, Marcos Apollo, em um evento com a presença do governador Wilson Lima. Foi nos dada a justificativa da eleição para o adiamento das tratativas, com a promessa de que, logo após a eleição, voltaríamos a conversar sobre o assunto. Ficou acertado que o diretor de Cultura da Manauscult, Jonathas Ribeiro, entraria em contato com a Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé para voltar a conversar sobre o apoio, coisa que não aconteceu. A Manauscult só resolveu se manifestar após uma denúncia de racismo estrutural, feita ao MPF, pelo vereador Rodrigo Guedes sob a alegação de que, os povos de matriz africana são protegidos pelo 5º Ofício do Ministério Público Federal, por serem povos de comunidades tradicionais.
Quando enfim pudemos ter uma reunião com os gestores da Manauscult ficou acertado o apoio de uma estrutura para que o Festival pudesse ser realizado na praia da Ponta Negra este ano e com uma atração nacional, mas com a alegação de que o recurso era pouco, ao mesmo tempo em que circulava na imprensa o 1º Réveillon Gospel, com 2 atrações nacionais. O tempo foi se passando e até 20 de dezembro nenhuma resposta nos foi dada sobre algo de concreto e a alegação era sempre a mesma “não havia orçamento e o que tinha foi para contratação das atrações do evento gospel”. Temos nada contra a comunidade gospel, mas foi nítida a diferença de tratamento por parte da Manauscult, sendo que nosso festival já existe, e resiste, há 12 anos. E em gestões anteriores a Manauscult, chegou a entrar com 80% de apoio na estrutura onde conseguimos trazer atrações como Margareth Menezes. Essa diferença de tratamento e o desrespeito ao Estado Laico, vem sendo observada desde o Passo a Paço e em outros eventos realizados pela prefeitura de Manaus.
E este ano, por ter sido feita, pela Manauscult, via imprensa, uma declaração de que o Festival de Yemanjá teria uma atração nacional, deixamos a cantora Mariene de Castro sob aviso. Mas infelizmente a Manauscult, nos informa de última hora, que não havia condições para essa contratação”, diz ele.
O Reviossônon Obá Mejí, Alberto Jorge Silva conta ainda que além de vários contratempos que teve com a Manauscult, eles ainda foram vítimas de intolerância religiosa.
“Este foi um dos piores anos do nosso Festival. Tivemos um tratamento inferiorizado e desproporcional em relação a um outro evento religioso que aconteceu no mesmo dia, no palco principal durante o réveillon da cidade, realizado no anfiteatro da Ponta Negra, onde a prefeitura disponibilizou uma megaestrutura com 2 atrações nacionais. Diante de tantos atritos antes e durante o nosso evento com a Manauscult, tivemos uma nítida e clara “má vontade” institucional, caracterizando um racismo estrutural, além de sofrermos injúria racial e religiosa. Um pastor que participava do evento gospel da prefeitura, usando o microfone gritou no palco para todo o público presente a seguinte frase ‘a festa de Jesus era para frente (no anfiteatro) e aquela festa de macumbeiros era para trás (na praia), essa festa de Satanás terá fim e vai se acabar’. Isso depois da Manauscult nos garantir que não haveria esse tipo de ataque.
A ouvidora de polícias, presente no momento, registrou o ocorrido da reunião oficial do CCC. Acontece que ficaram de apurar essa denúncia e de nos darem uma resposta. Essa resposta até o dia de hoje não nos foi dada e nem a Manauscult ou a prefeitura se manifestaram sobre o caso. Sobre os cachês das atrações do nosso evento também até agora não foram pagos. Tivemos no dia de ontem (14) mais uma promessa de pagamento, após uma nova pressão do vereador Rodrigo Guedes”, conclui ele.
Com relação aos editais, o produtor cultural João Fernandes chamou de “amadorismo”, em suas redes sociais, a forma como o processo de avaliação de classificação vem sendo tratado pela Manauscult.
“Acho que é urgente e necessário uma grande mobilização da categoria da cultura. É inadmissível que ações dessa natureza sejam tratadas pelo poder público de forma natural e silenciosa. Um órgão público que burla suas próprias regras e afeta toda uma cadeia econômica porque não possui competência administrativa para gerenciar uma política pública. Manaus com tantos potenciais se estraga pela ausência de gestão e pensamento de política pública na pasta da Manauscult”, afirma ele.
O ator e diretor de teatro Valderes Souza diz que precisa haver respeito com a classe e que a falta de transparência e cumprimento de prazo dos editais prejudica e desestimula os artistas locais. A entrega do resultado de editais só sai depois de muita pressão da classe e tem ocorrido desde o início da gestão.
Fabiene Priscila que também é atriz e produtora cultural, fala da sua indignação em não haver projetos aprovados com a temática indígena na modalidade: Tradições Culturais. “Eu assessorei vários artistas e artesãos indígenas na produção de seus projetos. A falta de projetos aprovados com essa temática caracteriza um absurdo sem tamanho. Como num edital do Amazonas não tem projeto indígena aprovado? Estou revoltada! Tanto pelos projetos que elaborei quanto pelos dos demais parentes indígenas”, diz Fabiane.
O ator Cairo Vasconcelos, solicita que a Manauscult amplie o número de vagas nos editais e que coloque uma pessoa da cultura para representar a Manauscult. Ele pede também que o Café Teatro seja entregue de volta à população como equipamento cultural
Diante de tantas reivindicações e reclamações da classe artística, fica aberto aqui o espaço para a Manauscult se pronunciar.