A proporção de pessoas que trabalham por conta própria entre o total de ocupados aumentou de 17,9%, em janeiro de 2013, para 19,8% em novembro de 2015, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base na Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O levantamento cobre as seis principais regiões metropolitanas brasileiras (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador). Na avaliação do economista e pesquisador do Ipea Miguel Foguel, o aumento do trabalho por conta própria está relacionado à crise econômica e à consequente redução dos empregos formais.
Segundo Foguel, os trabalhadores por conta própria podem ser divididos em dois grupos: os que contribuem para a Previdência Social e os que não contribuem. Em 2013, os autônomos do primeiro grupo eram 5,2% do total de ocupados nessas seis regiões. Esse percentual subiu para 7,4%, em novembro de 2015. Já os trabalhadores por conta própria não contribuintes permaneceram estáveis: 12,8%, em janeiro de 2013; e 12,4%, em novembro de 2015.
De acordo com o economista do Ipea, provavelmente, esse fenômeno tem a ver com a reação defensiva do trabalhador diante de um mercado de trabalho em crise, em que as empresas estão demitindo e deixando de contratar. “Aí, a reação deles ante a dificuldade de encontrar emprego é buscar algum tipo de renda por meio de um microempreendimento ou alguma atividade que se configura como por conta própria, e continuar contribuindo para a Previdência Social, mas agora não mais como um empregado formal”.
No entanto, segundo Foguel, dependendo da restrição orçamentária e da oferta de trabalho na nova fase profissional, alguns deixam de pagar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) porque não podem ou não querem bancar essa despesa.
O fotógrafo Fernando Azevedo, do Rio de Janeiro, é um desses trabalhadores. Depois de atuar por 18 anos em várias editoras e assessorias de imprensa, resolveu dar uma guinada total na vida. Ele se tornou criador de móveis, só fotografa suas criações e há cerca de um mês abriu uma loja em Maricá, na Região dos Lagos, para venda de seus produtos.
O empreendimento está dando tão certo que Azevedo está se preparando para contratar uma funcionária para a loja, além dos dois marceneiros que já trabalham com ele. O fotógrafo e agora designer de móveis atualmente não contribui para a Previdência Social.
Já o professor de educação física Pedro Copelli, também autônomo, começou recentemente a contribuir para o INSS como forma de se preparar para a aposentadoria. Embora tenha curso superior e não enfrente dificuldades em arranjar emprego, ele preferiu trabalhar por conta própria, mas não descarta a possibilidade de retorno ao mercado formal. “Se aparecer algum emprego legal com carteira assinada eu pego porque, na nossa área, é difícil você trabalhar em um só lugar”, disse.
Copelli dá cursos de exercícios funcionais e aulas de futebol feminino há seis anos em um clube em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. No mesmo bairro, dá aulas de futsal em um colégio e está pensando em ampliar o trabalho, com a abertura de turmas de futevôlei, na praia. Segundo ele, trabalhar por conta própria está sendo compensador e, até agora, a crise econômica não afetou suas atividades.
“Tenho um número razoável de alunos porque não tenho muito concorrente. Com o fechamento das escolas de futebol feminino do Fluminense e do Flamengo, muitas meninas migraram para nós”, disse o professor.
Informalidade
O avanço do trabalho por conta própria também pode ter impacto sobre os números da informalidade no Brasil, de acordo com o economista do Ipea.
Segundo ele, considerando que os trabalhadores por conta própria se subdividem entre os que contribuem para a Previdência Social e os que não contribuem, alguns analistas associam o aumento desse tipo de trabalho como um indicador de crescimento da informalidade, já que nem todos pagam o INSS.
“Se a gente considerar que esse trabalhador por conta própria que contribui para a Previdência Social não é informal, não está havendo um crescimento da informalidade. Mas se eles forem incorporados como informais, então, sim, há um aumento da informalidade. Vai depender de como cada um define [esse conceito], ponderou o economista.
Crise entre os autônomos
Se a crise está levando mais gente a trabalhar por conta própria, comerciantes que já estão nessa modalidade há muito tempo também estão sentindo os efeitos da desaceleração da economia.
O vendedor de frutas Celso Nunes, de Brasília, disse que esse janeiro tem se mostrado o mais fraco desde que ele começou a vender salada de frutas numa barraca que monta no Setor Bancário Norte, no centro da capital, há 15 anos.
“Janeiro é mais fraco mesmo, mas esse tem sido o pior desde que eu cheguei aqui”, calculou. Pelas contas que faz de cabeça, ele diz que seu faturamento caiu em torno de 70% na comparação como mesmo mês do ano passado. Para compensar a queda nas vendas e o aumento nos custos devido à inflação, desde o início do ano, Nunes resolveu subir o preço da bandeja de salada de frutas, de R$ 5 para R$ 6.
Outros comerciantes informais entrevistados pela Agência Brasil também relataram dificuldades com as vendas recentemente. Sob nuvens negras no céu, o vendedor ambulante Obede Suzarte disse à reportagem que costumava vender de 15 a 20 guarda-chuvas e sombrinhas em dias de chuva no ponto onde monta a sua barraca há cinco anos, na avenida W3 Norte. “Mas neste mês de janeiro, quando costuma chover muito por aqui, tenho vendido umas três ou quatro por dia”, contou.
Ele diz que se sente ainda mais prejudicado pela crise porque seu tipo de mercadoria – relógios, barbeadores, carregadores de celular, óculos de sol e radinhos de pilha – não ser de primeira necessidade. “O cliente até vem e olha, mas se não é essencial pra ele, não compra mesmo.”
“Tá difícil geral, essa crise financeira chegou para todo mundo”, disse a vendedora de churrasquinho Raimunda Nonato da Silva. Ela, que chegou em Brasília vinda do Maranhão em 1979, começou no ano passado a vender espetinhos de carne em uma parada de ônibus da avenida W3, depois de perder o emprego como doméstica. Apesar da redução nas vendas, Raimunda ainda resiste a subir o preço do espetinho, vendido a R$ 3. “Se não, não vendo é nada, meu filho”.
Diante do aumento significativo do número de ambulantes por causa da crise, o governo do Distrito Federal deflagrou desde dezembro uma operação de repressão aos comerciantes informais, agravando a situação dos vendedores de rua.
Desde 11 de janeiro, por exemplo, policias militares e agentes da Agência de Fiscalização do Distrito Federal ocupam cada esquina do Setor Comercial Sul, na região central de Brasília. A justificativa dada pelo administrador regional do Plano Piloto, Marcos Pacco, é “revitalizar o espaço e coibir atividades ilegais”. O mesmo tipo de operação ocorre nos arredores da rodoviária do Plano Piloto.