O tratamento preventivo contra a tuberculose tem crescido, especialmente em grupos de maior risco, como pessoas que vivem com HIV e crianças de até 5 anos de idade, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). No entanto, a organização aponta que, apesar de o valor investido pelos países no cuidado e prevenção da doença ter aumentado em um período de dez anos, as pessoas com perfil para o tratamento preventivo não têm recebido o atendimento adequado.
Em 2017, foram investidos em todo o mundo quase US$ 7 bilhões em ações de combate à tuberculose. Mais de 80% desses recursos são provenientes do orçamento dos próprios países, como é o caso do Brasil, em que todo o investimento na área é nacional. Já em nações de menor renda, as doações internacionais ultrapassam o investimento doméstico. Em nível mundial, o déficit de investimento supera os US$ 2 bilhões.
Dos 30 países com maior incidência de tuberculose, apenas nove têm investimento doméstico em programas de combate à doença, dentre eles o Brasil.
A organização cita a política brasileira de investimento para o controle da doença como exemplo mundial. Em 2017, o orçamento do plano estratégico contra a tuberculose foi de US$ 67 milhões. Uma das ações previstas para o segundo semestre de 2018 é uma campanha para as as pessoas privadas de liberdade, consideradas uma das populações mais vulneráveis à doença, notificarem os sintomas de tuberculose. Para isso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública repassou à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mais de R$ 27 milhões.
A OMS defende que as lacunas de financiamento devem ser preenchidas tanto com o investimento de mais recursos domésticos quanto com doações internacionais, principalmente em países de média e baixa renda, que concentram a maior parte da carga de tuberculose no mundo.
No fim do ano passado, a organização Médicos sem Fronteiras lançou uma campanha e um abaixo-assinado para que os países invistam mais no combate à tuberculose, que recebeu mais de 30 mil assinaturas. A organização ainda tem investido na produção de tecnologias de saúde e na realização de testes clínicos para as novas drogas delamanide e bemaquilina em países com alta carga de tuberculose.
“Os testes clínicos ainda devem ser feitos por mais dois anos. A eficiência dessas drogas já está mais do que comprovada, o que a OMS vai fazer é tirar todas as dúvidas para provar que o tratamento é efetivo e possível, porque tem alguns aspectos relacionados à segurança e ao uso em larga escala. Mas, como é um tratamento para pessoas pobres, não existe interesse da indústria farmacêutica em investir tempo e dinheiro num produto que ele não vai ter lucro expressivo”, afirma o infectologista Rafael Sacramento, que trabalhou com testes clínicos das drogas contra tuberculose no Quirguistão, na Ásia Central.
Em busca da meta
O Brasil tem a meta de eliminar a tuberculose como problema de saúde pública até 2035. Nos próximos 17 anos, o país terá de reduzir a atual taxa de registro de novos casos de tuberculose de 32 para menos de 10 casos a cada 100 mil habitantes e a taxa de óbito para 1 a cada 100 mil.
Em nota, o Ministério da Saúde esclareceu que o Brasil já conseguiu atingir as metas dos Objetivos do Milênio (ODM) de combate à tuberculose e, em 2015, e aderiu ao compromisso global de redução de 95% dos óbitos e 90% do coeficiente de incidência da doença até 2035.
Segundo a pasta, em 2016, foram registrados 69,5 mil casos novos de tuberculose . No período de 2007 a 2016, o coeficiente de novos casos da doença caiu em 1,2%, passando de 37,9 para 33,7 a cada 100 mil habitantes.
A mortalidade por tuberculose também apresentou redução. Em 2015, o Brasil registrou 4,6 mil óbitos por tuberculose, número 11,5% menor que o registrado em 2006, passando de 2,6 para 2,3 a cada 100 mil habitantes, 2015. No mesmo ano, a tuberculose foi a doença infecciosa que mais causou mortes no mundo.
“Se você quer curar 95% das pessoas [meta da OMS] não pode ter 5% de óbito. Aí você reduz 5% de óbito, mais 15% de abandono [do tratamento], já tem 20%, então você só cura 80%. Ainda tem que tirar as falhas, que são aqueles que não curaram”, afirma Valeria Rolla, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Outro desafio é reduzir os índices de subnotificação e a perda de informações sobre os resultados de pacientes que já iniciaram o tratamento. Segundo a OMS, no Brasil 71% dos casos registrados de tuberculose são curados e 10% deles não apresentam resultado. No caso do tratamento da coinfecção por HIV e tuberculose, 40% dos tratamentos são bem-sucedidos, 30% das tentativas de cura apresentam falha e outros 30% não têm registro de avaliação dos resultados.
Prevenção
O Ministério da Saúde ressalta, em um de seus boletins periódicos, que o resultado almejado para 2035 “só será alcançado caso haja melhoria no cenário atual de alguns indicadores operacionais e epidemiológicos – por exemplo, a redução do coeficiente de incidência de aids”. Especialistas apontam ainda outros desafios, principalmente no âmbito social e de desenvolvimento de políticas preventivas.
“Para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável, é preciso mais do que novas drogas, é necessária prevenção. E outros fatores, como o estímulo aos doentes para se tratarem; transferência de renda; benefícios sociais; do ponto de vista trabalhista, afastamento do trabalho (no Brasil já existe); saneamento – e tudo o mais que envolve qualidade de vida, que é muito mais complexo”, explicar Dráurio Barreira, médico sanitarista e gerente técnico da Unitaid, organização internacional que busca novos métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV e da tuberculose no mundo.
Entre as formas de prevenção, Dráurio sugere a melhora na detecção da tuberculose latente. Ele alerta que uma em cada três pessoas no mundo tem no organismo o bacilo da tuberculose, mas não está doente.
“Num momento de imunodeficiência, seja por velhice, por diabetes, por aids, uso de medicamento ou qualquer motivo que faça cair a imunidade, a tuberculose pode vir, pode deixar de ser latente e transformar-se em doença. Então, como a gente tem mais de 2 milhões de pessoas infectadas, a prevenção é fundamental.”, explicou Barreira.
O médico ressalta, no entanto, que este tipo de prevenção implica em que o paciente tome remédios mesmo sem ter desenvolvido a doença e ainda tem custo elevado para o sistema de saúde. Outro tipo de prevenção eficaz que ele destaca é a vacina, mas que “ainda está um pouco longe do horizonte”, segundo médico, pois pode levar alguns anos para ser desenvolvida.
Plano Nacional
Em junho do ano passado, o Ministério lançou o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como problema de saúde pública. A política ratifica o compromisso com do Brasil com a OMS de reduzir a incidência da doença na população. A estratégia para alcancar a meta envolve a redução do percentual de abandono de tratamento e a melhora no percentual de cura das pessoas diagnosticadas com tuberculose e no monitoramento do controle da doença.
O plano destaca ainda que os principais objetivos das ações devem ser de prevenção e cuidado integrado do paciente, melhorias no diagnóstico precoce, tratamento adequado, fortalecimento da participação da sociedade civil, melhoria dos sistemas de registro, além da realização de mais pesquisas.
O Ministério também prepara campanha com o objetivo de chamar a atenção para o diagnóstico rápido e da busca por tratamento da tuberculose pelas pessoas que vivem com HIV.