Desaposentação divide opiniões de especialistas em direito previdenciário

O tema desaposentação, que deve voltar hoje (26) à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), divide opiniões e não há atualmente uma legislação sobre o assunto. A questão refere-se a pessoas que, depois de se aposentar, voltam ao mercado de trabalho, a contribuir com a Previdência Social e pedem a revisão do benefício.

O advogado especialista em direito previdenciário, Humberto Tommasi, explica que a ideia da desaposentação não é fazer uma revisão do benefício, mas a troca da aposentadoria antiga por uma nova, baseada nas contribuições feitas após a volta ao trabalho.

“O que o segurado busca com a desaposentação é simplesmente renunciar ao benefício que recebe e buscar outro, calculado como se ele nunca tivesse se aposentado. Então, basicamente, é recalcular a aposentadoria, ter uma nova aposentadoria, como se nunca tivesse se aposentado, esquecendo, renunciando àquele beneficio que já recebe”.

Carlos Ortiz, presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi), conta que diferentes fatores levam a pessoa que se aposentou a voltar ao mercado de trabalho. Quando isso acontece, a pessoa volta a contribuir para a Previdência mas, segundo ele, isso não garante assistência em questões como, por exemplo, um acidente.

“Continua contribuindo para a Previdência sem direito a nada. Por exemplo, se você sofrer um acidente e ficar inválido, perder algum membro do corpo, não recebe nada por isso. A Previdência não te cobre por nenhum tipo de acidente”, explica.

Segundo o advogado Humberto Tommasi, como não há uma legislação sobre o tema, para conseguir recalcular a aposentadoria é preciso entrar na Justiça. Estimativa feita pela Advocacia-Geral da União (AGU) mostra que existem hoje no Brasil aproximadamente 182,1 mil ações judiciais sobre o tema, a maioria tramitando na Justiça Federal.

Carlos Ortiz está entre as pessoas que se inserem no caso de desaposentação. Parou de trabalhar em 1997 e, em quase 20 anos, está contribuindo para a Previdência. Ele lembra que até 1994 existia o benefício do pecúlio.  “As pessoas que continuavam trabalhando depois de aposentado, quando paravam recebiam corrigido todo o valor que contribuíram. Depois, cortaram o pecúlio e essas pessoas ficaram sem nada”.

Para o presidente do sindicato, possibilitar a desaposentação é uma questão de justiça. “A gente espera que a justiça seja feita e que possamos ter algum retorno por essa injustiça cometida.

De acordo com Humberto Tommasi, a desaposentação trata de justiça social. Segundo ele,  caso o STF seja favorável à desaposentação, é possível que o tema seja tratado em legislação. Na sua opinião, é preciso ter algum retorno para quem continua contribuindo. “Não há como defender que o aposentado tenha a necessidade, a obrigação, de continuar pagando sem contrapartida nenhuma. Até é possível defender que haja uma contribuição para o aposentado que continua trabalhando, mas é preciso ter algum tipo de contrapartida”.

Tommasi diz que no debate sobre o tema não cabe falar em déficit da Previdência e defende que o aposentado que volta a trabalhar está devolvendo recursos. “O segurado aposentado que continua pagando a Previdência Social está devolvendo, para o Regime Geral de Previdência, uma parte do que recebe em forma de contribuição previdenciária”.

Debate

Essa não é, no entanto, a opinião da Advocacia-Geral da União (AGU). De acordo com informações do órgão, uma nota técnica produzida pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social mostra que o impacto da desaposentação nas contas da Previdência Social seria de R$ 7,7 bilhões por ano. O valor, a longo prazo pode chegar a R$ 181,9 bilhões.

No STF, os ministros analisam três ações sobre o tema. Em uma delas a AGU chegou a pedir a suspensão de todos os processos que tramitam no país sobre desaposentação. O documento alerta para o possível impacto financeiro que pode ser causado. Segundo a AGU, o ministro Barroso não aceitou o pedido inicial feito pela AGU e decidiu aguardar a decisão do plenário.

Em 2014, quando o tema começou a ser analisado no STF, o então advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, defendeu a ilegalidade da desaposentação. Segundo ele, a Previdência é baseada no modelo de solidariedade, no qual todos contribuem para sustentar o sistema, não cabendo regras particulares para o aposentado que pretende revisar o benefício.

Impacto Fiscal

O coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine, acredita que a prática da desaposentação pode causar impacto fiscal na Previdência ao fazer a troca de um benefício menor por um maior. Um dos pontos abordados por ele é o de que as contribuições feitas por aqueles que voltam a trabalhar não são suficientes.

“O aumento dos gastos em função do aumento no valor do benefício é muito maior do que as contribuições adicionais, ou seja, na verdade há um desequilíbrio atuarial na questão da desaposentação”. O representante do Ipea aponta também outros aspectos, como o de que a desaposentação agravaria a questão das aposentadorias precoces.

“A desaposentação acaba funcionando como um prêmio às aposentadorias precoces. Você tentou criar alguns estímulos para que as pessoas postergassem a aposentadoria. O caso do fator previdenciário é exatamente isso, postergar para que tivessem um beneficio maior no futuro. Se você passa à desaposentação, esse estímulo à postergação acaba sendo desfeito”.

Na opinião do pesquisador, uma solução pode ser o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria. “Na minha visão, a solução é implementar uma idade mínima que seja mais condizente com a perda de capacidade laboral. Isso diminuiria esse problema da desaposentação”.

Julgamento

Até o momento, o plenário do STF está dividido sobre a questão. O ministro Luís Roberto Barroso, relator de duas das três ações, admitiu a desaposentação e estabeleceu critérios para o recálculo do benefício. O ministro Marco Aurélio Mello é o relator de outra ação e não reconhece o termo desaposentação, mas entende que o recálculo pode ser feito. Além deles, os ministros Dias Toffoli e Teori Zavascki já votaram e se posicionaram contra a possibilidade de pedir um novo benefício.

A reportagem da Agência Brasil conversou com o subprocurador-geral da República, Odim Brandão, autor da manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR), entregue dentro de uma das ações que serão julgadas. Para ele, a opção existente atualmente não é válida.

“Haveria muitos modelos que o Congresso poderia ter utilizado para cobrar alguma coisa das pessoas que voltam ao trabalho depois de aposentadas. Podia não cobrar nada e não dar nada mais a essas pessoas. Podia cobrar tudo e dar tudo a essas pessoas, mas não poderia ter cobrado uma contribuição previdenciária igual à das pessoas da ativa e dar quase nada às aposentadas”.

O subprocurador explica que hoje, a pessoa que volta a pagar a contribuição, faz o pagamento como se nunca tivesse se aposentado, mas não tem direito a nenhum benefício. “Em síntese, na verdade, o que a lei fez foi cobrar integralmente a contribuição dos aposentados que voltam a trabalhar, mas não lhes defere benefício nenhum e isso a Procuradoria entende que é inconstitucional”. Para Odim Brandão, o que a procuradoria acha é que ou se cobra tudo e se dá tudo, ou não se cobra nada e não se dá nada mais em acréscimo aos aposentados. “O que ela entende é que não pode cobrar tudo e não dar nada”.

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