Desastrosa e inconstitucional”: especialistas apontam retrocessos à educação na PEC Emergencial

SAO PAULO, BRAZIL - OCTOBER 23: Students in a classroom at the Belas Artes University Centeras part of the gradual return of in-person education amidst the coronavirus (COVID-19) pandemic on October 23, 2020 in Sao Paulo, Brazil. Public and private schools in the state can reopen the doors to carry out on-site extracurricular activities to reinforce and welcome students. (Photo by Miguel Schincariol/Getty Images)

A PEC 186/2019, que retira os pisos para investimento em educação e saúde, deve ser votada nesta quinta-feira (25/2) no Senado Federal. A PEC a que está inserida a oferta de um novo auxílio emergencial também introduz novas regras para a redução de gastos públicos.

Ao tirar exigência mínima de gastos de estados e municípios com saúde e educação, a PEC, de relatoria do senador Márcio Bittar (MDB-AC), propõe um piso unificado das duas áreas. Na prática, no caso da educação, por exemplo, há tendência de as prefeituras aumentarem o gasto em saúde e, com a nova regra, serem habilitadas a reduzir investimento em educação.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação ouviu especialistas que fazem parte de sua rede para detalhar esse e outros pontos de retrocesso a direitos constitucionais, como o direito à educação, trazidos pela PEC 186/2019. Seguem os pontos e os comentários de Fernanda Vick, mestra em Direito do Estado (FDUSP); Luiz Araújo, professor da UnB e ex-presidente do INEP; e Salomão Ximenes, doutor em Direito e professor da UFABC.

1 – Desvinculação federal dos pisos sobre saúde e à educação

Para Salomão Ximenes, a desvinculação da educação é inconstitucional, inscrita no art. 212, porque esta é uma cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988, conforme o art. 60, § 4º, IV.

“Em ambos os casos – vinculações para educação (art. 212) e saúde (art. 198) – sua retirada significaria retrocesso social, violando outro princípio constitucional. Os parlamentares sabem dessas limitações ao poder de reforma, por isso também circula, como alternativa, a ideia de unificar os gastos mínimos”, afirma Ximenes.

Mesmo essa proposta de unificação é inconstitucional, segundo Ximenes. “Trata-se de uma manobra retórica, porque na prática torna discricionários ambos os gastos ao não assegurar o mínimo a ser investido em educação ou saúde a cada ano. Vinculação é gasto mínimo.”

Luiz Araújo descreve a desvinculação como um desastre. “Somente no estado novo e na ditadura de 1964 tivemos tal retrocesso”, ressalta. “A perda potencial da desvinculação é ter mais de R$ 75 bilhões sem obrigatoriedade. Prefeituras vão parar de aplicar recursos próprios no dia seguinte”, alerta Araújo.

Ele avalia que na educação teremos uma progressiva redução dos investimentos nos estados e municípios. “E, no âmbito federal, o alvo é claro: reduzir os gastos com universidades e institutos federais.”

2 – Aplicação de gatilhos para vedar gastos, promovendo submissão de estados e municípios à União;

Segundo Ximenes, o que se almeja na PEC 186/2019 é “forçar a implementação desses gatilhos ao relacioná-los não só à despesa de pessoal mas às despesas como um todo, cortando e reduzindo salários, suspendendo direitos assegurados em lei”.

O resultado pode ser, diz ele, o desmonte das condições básicas de funcionamento das escolas, a antecipação de pedidos de aposentadoria, de licenças, com a proibição de contratações.

Ximenes aponta que a Lei de Responsabilidade Fiscal já estabelece gatilhos relacionados ao descumprimento de limites prudenciais de despesa de pessoal.

Fernanda Vick afirma que, com a PEC, as despesas do limite prudencial, além dos servidores ativos e inativos, seus pensionistas (art. 169) ampliam ainda mais o cenário de endividamento. Seria esse um contexto muito propício para operação permanente dos gatilhos, a seguir explicados por ela:

  • A fórmula e medidas do estado de emergência fiscal (art. 167-A): quando a razão despesa receita atingir 85% e 95%, os gatilhos de contenção são acionados;

  • Os gatilhos emergenciais não são facultativos a Estados e Municípios: o §7º do art. 167-A determina que todas as medidas devem ser adotadas por todos os poderes do ente envolvido sob pena de a ele não ser concedidas garantias, operações de créditos e refinanciamento de dívidas com a União; Estados e municípios não emitem moeda, dependem destas operações financeiras;

  • Com a desvinculação dos mínimos em saúde e educação, é inevitável que estas políticas acabem completamente sem financiamento.

Vick sintetiza dizendo que, com a PEC e o Estado Emergencial por ela previsto, todo ente federativo será impedido de receber garantias orçamentárias e de fazer diversas operações de crédito, como renovação e postergação de dívida. Na prática, serão amarrados de receber novas receitas. “Os municípios não têm condição de gerar o seu próprio orçamento. Têm então uma amarração federativa que tira totalmente a autonomia de estados e municípios nesse Estado Emergencial”, afirma Vick.

3 – Impacto negativo sobre o Fundeb, que inviabiliza sua implementação;

Com relação ao risco que o recém-constitucionalizado Fundeb (EC 108), Ximenes salienta que a revogação do art. 212 desmonta o mecanismo básico de distribuição do fundo.

“Ainda que seja possível calcular o VAAT (Valor Aluno/Ano Total) relativo a cada ente federado, sua distribuição passaria a ser uma ficção, pois estaria perdido irremediavelmente o objetivo de equilibrar o valor por aluno realmente praticado em cada ente, estado e município. No limite, os recursos além do Fundeb poderiam ser aplicados em qualquer finalidade alheia à educação.”

Luiz Araújo ainda destaca que a urgente demanda do auxílio emergencial está sendo usada como chantagem do governo federal. “Por que não taxar as grandes fortunas, mesmo que emergencialmente para financiar compra de vacinas e o auxílio? Por que dar com uma mão e tirar o dobro com a outra?”, questiona.

Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha, explicou em fio no Twitter como a PEC 186/2019 é “efeito e consequência” da EC 95 do Teto de Gastos. Pellanda aponta, citando artigo de Pedro Rossi e Esther Dweck, que políticas de austeridade como a do Teto de Gastos são “uma tentativa de equacionar a situação fiscal brasileira que não se dirige ao lado regressivo, o tributário, e desmonta o lado progressivo dos gastos sociais”.

 
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