A cerimônia de posse de Jair Messias Bolsonaro como 38º presidente do Brasil, aos 63 anos, nesta terça-feira, exibiu nuances que surpreenderam o público. Teve o filho do presidente eleito, Carlos Bolsonaro, em pose de guarda-costas no banco de trás do Rolls Royce presidencial, onde o pai desfilava ao lado de Michele Bolsonaro. Teve o vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, discursando em decibéis acima da fala do presidente durante a diplomação no Congresso, como se estivesse falando com a tropa. E houve a quebra de protocolo da primeira-dama que discursou em libras.
Mas algumas coisas definitivamente não mudaram, como o tom adotado pelo primeiro presidente de extrema direita a assumir o comando do Brasil desde a ditadura. Em seus discursos ao longo do dia, Bolsonaro recorreu a sua habitual provocação ao Partido dos Trabalhadores (PT) para convocar os integrantes do Congresso a se unirem “na missão de reconstruir a pátria libertando-a do crime, da corrupção, da submissão ideológica e da irresponsabilidade econômica”. Era o primeiro discurso do dia, ao lado do presidente do Congresso, Eunício de Oliveira, numa cerimônia que contou também com a presença do presidente do Supremo, Antonio Dias Toffoli.
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A ideologia e as menções aos “perigos” do adversário vermelho seriam lembrados novamente, quando o presidente eleito se dirigiu ao público que tomou as ruas da capital para seguir a cerimônia de posse. “É com humildade e honra que me dirijo a todos vocês como presidente do Brasil. E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, se libertar da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”, discursou Bolsonaro.
A posse foi acompanhada por 115.000 pessoas, segundo dados oficiais do Gabinete de Segurança Internacional (GSI), abaixo da estimativa inicial que circulou em Brasília às vésperas da posse. Falava-se em 250.000 a 500.000 pessoas. Mesmo assim, foi uma presença bem superior ao público na posse nos dois mandatos de Dilma Rousseff. Mas um pouco abaixo do número do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve 150.000 pessoas, segundo levantamento do jornal Metrópoles. Não importa. Uma multidão recebeu empolgada o ex-militar da reserva. Ali do Palácio do Planalto, Bolsonaro discursou e aproveitou para abrir uma bandeira do Brasil, e alertar: “Nossa bandeira jamais será vermelha”, o grito de guerra antipetista que nasceu dos protestos contra Dilma.
Nas redes sociais, outro sinal de prestígio de Bolsonaro foi dado pelo presidente americano Donald Trump, que saudou Bolsonaro no Twitter: “Estados Unidos estão contigo”. Minutos depois, o presidente brasileiro agradeceu Trump: “Juntos, com a proteção de Deus, traremos mais prosperidade e progresso a nossos povos”, disse o novo presidente, que já deixou clara sua intenção de ampliar de maneira inédita a aproximação com os Estados Unidos, uma proposta bem-vinda para os norte-americanos em tempos de guerra comercial com a China.
Na cerimônia de posse, Bolsonaro contou com a presença do israelense Benjamín Netanyahu, concluindo uma visita oficial de cinco dias, e o húngaro Viktor Orbán, de nacionalista de extrema direita, cujo ideário de Governo é elogiado pelo novo presidente. Os presidentes Sebastián Piñera, do Chile, e Evo Morales, da Bolívia, foram os principais nomes da América Latina a cumprimentar Bolsonaro em sua posse. A ausência mais significativa foi a do mandatário Mauricio Macri, da Argentina, tradicional aliado brasileiro que se mostra reticente com a nova retórica do Planalto.
É um símbolo da incógnita no ar entre os países que se relacionam com o Brasil. Os discursos agressivos vão se sustentar ao longo do novo Governo? Se o Governo não mostrar resultados e habilidade para lidar com as diferenças, isso poderia afetar a economia. O clima de desconfiança é um fato e alguns especialistas apontam que o número menor de delegações estrangeiras presentes na posse de Bolsonaro podem ser um indicativo. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, foram 46 delegações, contra 130 na posse de Dilma, 110 com Lula e 120 com Fernando Henrique Cardoso.
Flexibilização das armas
O 38º presidente do Brasil triunfou nas eleições de 2018 com um discurso muito nacionalista, ultraconservador nos costumes, privatizador na economia e que defende matar delinquentes se as vidas de suas vítimas ou de policiais estiverem em perigo. Todos estes pontos foram repetidos nos curtos discursos desta terça. No Congresso, ele falou da flexibilização para a posse de armas, e garantiu que o Estado não gastará mais do que recebe. Coube a Eunício de Oliveira, presidente do Congresso Nacional até fevereiro, lembrá-lo de que é necessário respeitar a Constituição e de que terá de dialogar. “Mesmo as melhores ideias podem ser aperfeiçoadas. Saber divergir, com argumentos sólidos, enriquece a política e a vida”, afirmou Oliveira. “É no Parlamento que o diálogo, bem exercitado, leva ao entendimento e, assim, às melhores soluções para a nacionalidade”, continuou.
O novo Congresso assume em fevereiro, e há uma tensão clara sobre o que Bolsonaro fará para apaziguar ânimos até lá. Deputados do PT e do PSOL, por exemplo, se recusaram a comparecer à cerimônia de posse. A decisão revela o nível de polarização política numa Casa que precisa se entender para aprovar projetos caros para o país e para a equipe liberal de Bolsonaro, como a reforma da Previdência, para controlar o rombo das contas públicas.
Bolsonaro prometeu que vai atuar “guiado pela Constituição e com Deus no coração”. É o que basta para eleitores do capitão da reserva como Fátima Braga, uma das milhares de pessoas que se aproximaram da praça de Três Poderes para escutar seu discurso ao país. “Damos as boas vindas a um novo Brasil que acabe com o regime do PT”, disse Fátima, aposentada de 63 anos, que insiste que Bolsonaro tem uma trajetória no Congresso “e não é corrupto”.
Já no Palácio do Planalto, na segunda etapa da cerimônia, o presidente já empossado foi recepcionado no salão nobre aos gritos de “mito, mito”, e deu posse aos seus 22 ministros. O ex-juiz da Operação Lava Jato Sergio Moro e o general Augusto Heleno, no comando respectivamente do Ministério da Justiça e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), foram os mais aplaudidos pelos convidados.
A seleta plateia confirmava a consagração dos políticos que chegaram ao poder em outubro em meio ao movimento conservador que culminou com a vitória de Bolsonaro. Entre os presentes estavam os governadores recém-empossados João Doria (SP), Ratinho Júnior (PR), Wilson Witzel (RJ), Ibaneis Rocha (DF) e Ronaldo Caiado (GO). Todos, em maior ou menor grau, surfaram na onda de eleitores de direita cujo principal expoente é o novo presidente da República.
A nova corte palaciana também tomava forma com outros personagens que ganharam notoriedade durante a campanha presidencial, como o empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan e acusado de coagir funcionários durante as eleições a votarem em Bolsonaro. Outra estrela da posse foi o juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Operação Lava Jato que correm no Rio de Janeiro. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, ele viajou num avião da Força Aérea Brasileira (FAB), convidado pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia.
Apenas dois dos cinco ex-presidentes da República vivos compareceram ao ato: Fernando Collor e José Sarney. Horas antes do início do evento, o cerimonial do Itamaraty avisou que todos os ex-mandatários, com a exceção de Lula, que está preso, foram convidados. Dessa forma, tanto Fernando Henrique Cardoso quanto Dilma Rousseff teriam declinado de prestigiar a posse do ex-militar. Não é de surpreender, Dilma Rousseff e seu partido, o PT, são constantemente fustigados por Bolsonaro. E o capitão reformado do Exército defendeu no passado que o tucano deveria ser “fuzilado”.
Surpresa e irritação
A posse trouxe surpresas em mais de uma ocasião. E a primeira delas foi revelada logo no início, quando Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente eleito, se acomodou no banco de trás do Rolls-Royce presidencial e percorreu todo o trajeto até o Congresso Nacional ao lado de seu pai e da agora primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Vereador no Rio de Janeiro, Carlos é apontado como o filho de ligação mais estreita com o pai e é um dos conselheiros mais considerados pelo novo presidente, sobretudo em temas relacionados à comunicação e às mídias sociais.
A segunda surpresa que não estava no roteiro original foi protagonizado no parlatório do Palácio do Planalto. Antes que Bolsonaro se dirigisse ao público que o aguardava na Praça dos Três Poderes, sua esposa Michelle realizou um discurso em libras (Língua Brasileira de Sinais) no qual prometeu que as pessoas com deficiência serão valorizadas. Embora uma clara quebra de protocolo, a intervenção de Michelle gerou empatia com o público presente na praça e com os telespectadores.
Ficou a desejar o tratamento conferido à imprensa neste 1º de janeiro, que sinalizou como deve ser sua relação com os meios de comunicação. Jornalistas ficaram confinados por mais de sete horas à espera do início de cerimônias nas três áreas onde a cerimônia ocorrereu: no Legislativo, no Itamaraty e no Palácio do Planalto. Foi uma mudança de protocolo que limitou a atuação de profissionais. Duas equipes internacionais decidiram boicotar o evento no Ministério das Relações Exteriores em protesto ao isolamento a que foram impostos. A justificativa da equipe de Bolsonaro era a necessidade de um forte esquema de segurança depois que o presidente eleito foi vítima de um atentado, acertado com uma faca que atingiu seu intestino, durante a campanha eleitoral.
O zelo com a segurança também incomodou alguns deputados federais, que passaram por até três procedimentos de segurança antes de adentrar ao plenário. “Foi exagerado”, reclamou Alberto Fraga (DEM-DF), um apoiador de Bolsonaro que quase se tornou membro de seu Governo, mas uma condenação em primeira instância o afastou de qualquer cargo.