Nas quatro horas da gravação divulgada hoje (6) pelo Supremo Tribunal Federal, o empresário Joesley Batista expressa confiança e tranquilidade sobre as negociações para um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República favorável a ele e aos negócios do grupo J&F, controlador da JBS. Já o executivo Ricardo Saud demonstra preocupação. No áudio, os dois conversam sobre um possível esquema de parceria com o ex-procurador Marcelo Miller no âmbito das investigações da Operação Lava Jato.
Os executivos são investigados por envolvimento em esquema de pagamento de propina e troca de favores com integrantes dos poderes Executivo e Legislativo. O objetivo deles no momento em que gravaram o áudio, em 17 de março – dia em que foi deflagrada a Operação Carne Fraca, que investigou unidades da J&F – , era tentar fechar um acordo de delação no qual eles passariam informações de interesse dos investigadores em troca de liberdade.
A partir dos novos áudios, procuradores suspeitam que os delatores omitiram informações da Procuradoria-Geral da República (PGR) durante as negociações das delações, o que levou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a abrir uma investigação para avaliar a possível omissão de informações, além da suspeita de envolvimento do ex-procurador Marcelo Miller nas ações dos delatores. A PGR suspeita que Miller atuou como “agente duplo” durante o processo de delação. Ele estava na procuradoria durante o período das negociações e deixou o cargo para atuar em um escritório de advocacia em favor da JBS.
Preocupação x confiança
No áudio, Joesley repete várias vezes que pode “ler o pensamento das pessoas” e que entende o que o Ministério Público está fazendo. Apesar de afirmar que não tem “nada acertado ainda” com o MP, Joesley afirma ter certeza que a PGR não negaria um acordo de delação que pudesse beneficiar o grupo.
Durante o diálogo, Saud menciona várias vezes o nome de Marcelo dizendo que o ex-procurador sempre o tranquiliza a respeito das operações. Joesley o contesta, em alguns momentos até ri e ressalta que está calmo e acha “tudo normal”. “Nós não vamos ser presos, ponto”, declara Joesley.
“Eu posso estar completamente enganado, eu acho que eles não estão fazendo isso orquestradamente. Agora, eu acho que eles estão fazendo isso achando que nós não estamos entendendo, mas eu estou entendendo. Quem não está entendendo está em pânico. Como eu estou entendendo, não estou em pânico”, acrescentou Joesley.
Ele diz acreditar que será pressionado por Janot, para falar tudo o que sabe, mas que também seria protegido por ele. “Seria a reação natural. Pensa você no lugar do Janot; senta na cadeira do Janot. Ele sabe tudo… Aí, o Janot espertão bota para f*, põe pressão [na gente] para entregar tudo. Mas [diz também] ‘não mexe com eles’. Ele diz ‘pode foder, dá pânico neles, mas não mexe com eles [delatores da JBS]’”, especulou Joesley.
Mais adiante, Saud diz desconfiar de que Marcelo tenha falado a Janot que eles teriam mais informações para entregar à PGR. “ Ele [Marcelo] já contou pro Janot que a gente tem muito mais pra entregar (…) O top [principal] era o Temer, cuidar do Temer”, diz Saud em referência às primeiras denúncias envolvendo o nome do presidente Michel Temer.
Joesley concorda que acredita que Janot já sabe das informações colhidas por Marcelo. “Marcelo é do MPF, ponto. O Marcelo tem linha direta com Janot (….) Ricardo, nós somos joia da coroa deles. O Marcelo já descobriu e já falou pro Janot: ‘Janot nós temos o pessoal que vai dar todas as provas que nós precisamos’, ele já entendeu isso“, afirma Joesley.
Saud fala em “sufoco”, “agonia”, pressão do MPF e um certo receio de ser preso. Ele menciona que “há quatro semanas estamos apanhando” com matérias na imprensa. Joesley tenta argumentar que eles podem obter vantagens mesmo com as operações em andamento.
“Ricardo, diante do contexto de quem nós somos, do que a gente tem pra falar, o que a gente representa, tudo, dentro do jogo, do MP com não sei o quê… É um carteado, né? Uma aposta. Eu posso tá completamente enganado, sabe? Eu duvido que esse Janot não queira nossa delação, eu aposto 100 pra um, não é 10 pra um, é 100 pra um. Pensa o que eles fizeram hoje, uma operação idiota enfiando nós, isso é de dar risada… O que eles fizeram hoje é de dar risada. Eu queria estar em frente ao Janot e dizer ‘para, isso é coisa de menino, para, uma operação idiota dessa? Você bota 1100 homens na rua em troca de nada achando que vai me amedrontar? Para, você tá louco?’”
Joesley desafia o procurador e minimiza o impacto das operações. “Ele não sabe com quem ele tá lidando, ele tá achando que ele tá lidando com um menino amarelo. Aí eu vou chegar lá e dizer assim: ‘Janot, nessa escola sua eu sou professor, você tá tendo aula, eu fui professor. Para, o que que é isso? Que brincadeira, eu to achando até engraçado isso, é ridículo, para’. Ricardinho, na escola que eles estudam a gente é professor”, ironizou Joesley.
Saud afirma que a confiança de Joesley é parecida com a de Marcelo, que, segundo Saud, teria dito a ele que as operações seriam positivas para o grupo. Joesley afirma que concorda com então procurador (que se desligou do MPF no início de abril para atuar em uma banca de advocacia) e que a pressão das investigações deve continuar “para a opinião pública” e pode justificar a ação dos empresários em delatar para se livrarem das penas.
“Ricardinho, confia em mim, é o seguinte, vamos conversando tudo, nós vamos tocar esse negócio, nós vamos sair lá na frente, nós vamos sair amigo de todo mundo e não vamos ser presos e vamos salvar a empresa”, declarou Joesley.
Segundo Janot, os benefícios concedidos aos delatores poderão ser anulados se confirmadas as suspeitas de omissão de informação e irregularidade na atuação de Miller.
Em nota, o ex-procurador Marcelo Miller diz que “não recebeu dinheiro ou vantagem pessoal da J&F ou de qualquer outra empresa, nunca atuou como intermediário entre o grupo J&F e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ou qualquer outro membro do Ministério Público Federal, não mantém relações pessoais e jamais foi “braço direito” do procurador-geral, não manteve qualquer comunicação com o procurador-geral desde outubro de 2016, com exceção do dia 23 de fevereiro de 2017, quando esteve na PGR para pedir a exoneração do cargo, desde julho de 2016, estava afastado do grupo de trabalho da Lava Jato e das atividades da PGR, atuando efetivamente na Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro. Nesse período, também não acessou nenhum arquivo ou documento da Operação Lava Jato e lamenta e repudia o conteúdo fantasioso das menções a seu nome nas gravações divulgadas na imprensa”.