Errado! Olavo não é Trotsky. A menos que os militares sejam os stalinistas

Reinaldo Azevedo – Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, reagiu às grosserias e aos ataques feitos por Olavo de Carvalho aos militares como um todo e, na jornada mais recente, a Santos Cruz, secretário de Governo. A reação tem um peso. Ele é assessor do GSI (Gabinete da Segurança Institucional), cujo titular é o general Augusto Heleno, braço-direito do presidente Jair Bolsonaro. Também tem grande força moral junto à tropa — refiro-me, no caso, aos militares da ativa mesmo. O fato de Villas Bôas ter rompido o silêncio vale por um recado ao próprio presidente da República. Villas Boas afirmou em redes sociais que Carvalho é um verdadeiro “Trotsky da direita”. E isso significa algumas coisas, infelizmente:

– o general não entende nada sobre Olavo;

– o general não entende nada sobre Trotsky;

– o general não entende nada sobre o próprio Bolsonaro.

Fui trotskysta dos 14 aos 21 anos. Na quinta, fiz uma ironia num post só captada por alguns. Adaptei para a democracia representativa a primeira frase do livreto “Programa de Transição”, de Trotsky. Ele escreveu: “A situação política mundial no seu conjunto caracteriza-se, antes de mais nada, pela crise histórica da direção do proletariado.” E eu: “A crise da chamada democracia representativa é, antes de mais nada, uma crise de liderança”.

Trotsky queria a revolução socialista de alcance mundial. Eu sou mais modesto e quero de volta, ao menos, a democracia liberal.

É evidente que o general está confundindo as coisas. Na prática, ainda que a intenção seja outra, o general está sendo algo lisonjeiro com Olavo de Carvalho, colocando-o como o projeta de uma revolução que tivesse ajudado a fazer e contra a qual teria se voltado então — e essa é a leitura que os detratores de Trotsky fazem de sua trajetória.

Problema grave nessa analogia: os atuais detentores do poder seriam, então, próceres de uma revolução, o que é falso, e estariam para o Planalto como os stalinistas estavam para o Kremlin. Ou por outra: só faz sentido afirmar que Carvalho é Trotsky se o general inferir que ele se comporta como traidor.  Bem, meu caro general: nem Trotsky traiu o bolchevismo — com a devida vênia de algumas amigos stalinistas que me sobraram — nem Carvalho traiu o bolsonarismo. Ao contrário: o senhor e seus pares é que não haviam entendido qual era a “vibe” do capitão.

Numa coisa os “olavetes” tem razão, meu caro general: eles são a expressão do verdadeiro bolsonarismo. Se este lhes causa horror, vocês saíram em defesa da causa errada. O bolsonarismo, como expressão do populismo de extrema-direita, hoje um movimento de alcance mundial, não existe num mundo em que vigorem as instituições de um estado democrático de direito. Como já deixei claro aqui, para eles, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, a Imprensa e, ora vejam!, o establishment militar passam a ser empecilhos desde que se coloquem como filtros entre o líder e as massas.

Errado mesmo, caro general, foi, por seu intermédio, as Forças Armadas terem escolhido um candidato — e isso aconteceu. Pior: as legiões resolveram mandar um recado ao Supremo, também por intermédio de tuítes seus, ao Supremo, deixando claro qual era o “voto certo” no caso de eventual habeas corpus ao petista Luiz Inácio Lula da Silva. Ocorre, general, que o voto triunfante no tribunal foi justamente aquele que desrespeitou o que está escrito na Constituição.

Trotsky foi um líder revolucionário, goste-se ou não dele. Era, a um só tempo, um prosélito poderoso em favor da revolução, e também um homem da ação. Ao mesmo tempo em que escrevia compulsivamente, organizava o Exército Vermelho. Olavo de Carvalho não consegue organizar nem as ofensas que dispara a esmo. Confunde seus próprios delírios com pensamento, confere-lhes o alcance de reflexão filosófica e seduz incautos pela Internet. Mas é hoje o farol, então, do “Stálin” de meia-pataca a que, ora vejam, os militares passaram a dar suporte na suposição de que impediam um mal maior.

Uma pergunta, meu caro general: desde a redemocratização do país, incluindo os dois presidentes de esquerda no período, quando as Forças Armada sofreram o enxovalho de que agora são alvos? Uma questão objetiva: Lula e Dilma contribuíram mesmo para desaparelhar as Forças Armadas, como acusa hoje Bolsonaro — o comandante-em-chefe das tropas — ou fizeram justamente o contrário? Formação intelectual, convenham, os nossos oficiais-generais das Três Forças têm. Não é possível que vocês não tenham percebido o conteúdo fascistoide da postulação bolsonarista e de seus sectários, acompanhados dos sicários de reputações. Aliás, o senhor mesmo já tinha sido alvo, antes, do ataque de Carvalho, que já o havia chamado de protocomunista algumas vezes, não é mesmo?

Ora, ora, meu caro general! Como é que o senhor pode fazer um juízo depreciativo do dito intelectual — merece a depreciação, mas outra, não a comparação com Trotsky — e servir ao governo que lhe confere a mais alta honraria da República: a Grã Cruz da Ordem de Rio Branco? Como resta evidente, não é o autoproclamado filósofo que ofende os generais e as Forças Armadas, mas o próprio presidente da República, que hoje pretende falar diretamente aos quarteis. E o senhor sabe disso tão bem como eu. Aliás, eu já havia escrito isso antes mesmo de sua eleição.

Há mais uma questão, caro general. Trotsky foi líder de uma revolução. Onde está a nossa? O senhor mesmo teve ascensão fulminante no Exército durante o governo petista e foi comandante da Força durante o governo Dilma, justamente aquele que foi apeado do poder por intermédio do impeachment. Que se saiba, não houve ruptura nenhuma.

Bolsonaro gosta de dizer que vocês dois têm um segredo. Não sabemos qual é. A sugestão que fica no ar não é muito boa.

Não, caro general, Olavo de Carvalho não é Trotsky. Porque, para tanto, aqueles que ele combate deveriam ser os stalinistas da hora, que não eram um bom exemplo de exercício do poder. O mal, meu caro, foi entender, aí sim, que havia uma revolução em curso no Brasil, não uma passagem de poder, corriqueira nas democracias. Quem precisa entender qual é o seu papel institucional é Bolsonaro. Olavo de Carvalho está fazendo o que sempre fez nos últimos anos: vivendo da ingenuidade alheia. Inclusive da dos militares.

 

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