Filha de Barbosa enterra maldição de 1950

“Como brasileira eu gostaria que ganhasse. Depois que eu vi a repercussão, gostei. Perder foi bom pela memória do meu pai. Em 50 foi derrotado, mas não foi de 7 a 1. Eles foram vice, agora nem isso. E meu pai tinha muito orgulho de ser vice-campeão do mundo. Em 50 não tínhamos televisão e mesmo assim a vergonha foi mundial. A Copa de 50 não foi nada perto disso. Foi fichinha. Fomos vice. E agora, fomos o quê? Pois agora eles vão colocar o Barbosa em seu devido lugar.”

O relato acima é de Tereza Borba, 53 anos, filha adotiva de Moacir Barbosa Nascimento. Hexacampeão carioca com o Vasco. Vencedor do Campeonato Sul-Americano de Campeões. Faturou ainda um Rio-São Paulo. Pela seleção brasileira, mais vitórias. Uma Copa Roca. Duas Copas Rio Branco. Uma Copa América. Tudo isso esquecido por um lance: o gol de Ghiggia. O que calou 200 mil vozes no Maracanã. Aos 34 minutos do segundo tempo daquele 16 de julho de 1950. Do Maracanazo.

“Meu pai dizia que não viu a bola passar. Só ouviu o barulho do silêncio que ficou no Maracanã. Veja bem, ele ouviu o silêncio”, relembra Tereza, em conversa com o ESPN.com.br na noite desta terça-feira. Horas depois de a seleção sofrer a mais humilhante derrota de sua história: 7 a 1 da Alemanha, pela semifinal do Mundial de 2014. No Brasil, 64 anos depois de seu pai levar a fama eterna pela queda contra o Uruguai.

Barbosa é um dos maiores ídolos da história do Vasco. Mas sua vida ficou marcada por causa daquela fatídica jogada do gol uruguaio que decretou o sonho do título em casa na Copa de 50. Um movimento em falso, um chute surpresa de Ghiggia e pronto. O bastante para um dos mais talentosos goleiros de seu tempo ser lembrado para sempre por um único lance. Morreu quase 50 anos depois, no dia 7 de abril de 2000, em Praia Grande, onde vivia com a filha. Injustiçado por quase um século.

O goleiro saiu do mundo dos vivos sem pompa, sem maiores homenagens, sem dinheiro. Mesmo tendo alcançado um inédito vice-campeonato mundial, em uma época que o Brasil tinha pouca ou nenhuma tradição no futebol. Títulos de relevância até então, por exemplo, eram só três Copas Américas. Contra nove da Argentina, oito do Uruguai, uma do Peru e ainda duas medalhas de ouro olímpicas celestes.

“Prometeram mundos e fundos para a seleção de 50. Quando perdeu, não ganhou nada. Meu pai foi crucificado. Não ganhou dinheiro, foi jogado na fogueira. Veja, em 50 não tinha só o Barbosa dentro de campo, eram mais dez jogadores”, explica a filha adotiva, que não pôde ir a nenhuma partida da Copa de 2014. “Eu queria muito ir em um jogo, mas não tenho dinheiro. Mesmo assim, sou muito feliz da forma que sou hoje. Tenho uma casa simples, mas muito gostosa. Um marido maravilhoso. Uma família maravilhosa”.

Apesar de aliviada pela memória do pai, Tereza faz uma ressalva. “Penso que ele está triste onde está. Ele era um ser humano muito bom. Um homem incrível. E com certeza hoje ele estaria muito triste pelos meninos que perderam. Estava sempre sorrindo. Seria o primeiro torcedor a gritar fervorosamente para que o time ganhasse. Ele era um homem muito, mas muito bom”, contou.

Hoje, Tereza não está trabalhando em sua ocupação antiga, que era de cuidadora de idosos. Atualmente, ela dedica a vida à memória do pai, como historiadora do ex-goleiro. “Faço exposição com recursos do meu próprio bolso, que não é cheio. Meu marido me ajuda como pode. A família sempre ajudando. A CBF nunca quis ajudar em nada. Nunca me ofereceram e nem pedi. Se pudessem, que ajudassem, não vou pedir”.

No Mineirão, quase 60 mil pessoas acompanharam a pior derrota da seleção brasileira em todos os tempos. Eram 140 mil a mais vendo os 2 a 1 do Uruguai em 1950. Mas quem será o vilão desta vez? “Escreve, por favor, que estou com o Júlio César. Ele não teve culpa. Adoro ele como profissional. Já chega o que foi feito com o Barbosa. Não quero que ninguém sinta o que meu pai sentiu”, pediu Tereza.

“Não quero que falem que por causa de o Neymar não ter jogado, perdemos por isso. Gente, então uma Copa é só o Neymar? Uma Copa é só o Barbosa? Não é isso. Tem mais 22 no elenco. Uma andorinha só não faz verão, como um Neymar sozinho não faz. Um Barbosa também não. Ninguém tem que ser servir de desculpa”, adicionou a ex-cuidadora de idosos. “E, olha, meu neto ainda quer ser goleiro. Eu só digo a ele: pelo amor de Deus, menino…”, confessou, preocupada.

Segundo o falecido cronista Armando Nogueira, Barbosa foi “certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo”. Pois agora, tanto Tereza quanto Barbosa, onde quer que esteja, podem ficar tranquilos: a ‘maldição’ foi enterrada nesta terça. A sete palmos abaixo da terra. Em cada um dos sete gols alemães.

 

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