Como peças de um quebra cabeças que se juntam, se começa a ter, aos poucos, um quadro do que aconteceu nos bastidores no dia 8 de julho este ano, quando um alvará de soltura deixou de ser cumprido para manter Lula na prisão.
O que fica nítido é que Lula foi alvo de um movimento que se deu fora dos limites da lei, com o objetivo claro de manter o ex-presidente preso. Foi uma ação política, não judicial, o que dá razão aos que dizem que Lula não é um político preso, mas um preso político.
Vamos relembrar:
Uma notinha da revista Veja, publicada neste fim de semana na coluna radar, informou:
O desembargador Gebran Neto admitiu a amigos que ignorou a letra fria da lei ao dar decisão contrária à soltura de Lula, desconsiderando a competência do juiz de plantão. Gebran alegou que era a única saída para evitar um erro ainda mais danoso: libertar o petista.
Uau! Nunca se viu nada tão antirrepublicano.
Mas tem mais.
Hoje, o Estadão publica entrevista do diretor da PF, Rogério Galloro, concedida à jornalista Andreza Matais, em que ele conta que as autoridades se movimentaram para impedir que um alvará de soltura, legítimo, legal, constitucional, fosse cumprido.
O diretor da PF tinha sob sua autoridade um mandado de soltura que deveria ser cumprido, pois havia sido assinado pelo desembargador Rogério Favreto, de plantão no Tribunal Regional Federal da 4a. Região.
Mas, como contou, houve uma contraordem de Sergio Moro, João Pedro Gebran Neto e do presidente do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, para que ignorasse a decisão.
Em apoio aos três, telefonou a procuradora-geral da república, Raquel Dodge, para avisar que tinha protocolado recurso no STJ contra a decisão de Favreto.
O que ela queria, na verdade, era dar um recado: “Não solta!” Se houvesse outro propósito, por que telefonaria?
Por fim, Carlos Thompson Flores, também por telefone, foi categórico: “Eu estou determinando. Não soltem!”
O telefonema prevaleceu a uma decisão judicial escrita, o alvará.
Pela movimentação das autoridades, que pode ser descrita como a anatomia de um crime — descumprir decisão judicial é crime, conforme estabelece o artigo 330 do Código Penal —, dá para imaginar o estado emocional em que se encontravam.
Desesperados?
Moro de férias, talvez de pijama, telefonando para a diretora do cartório, passando instruções.
Gebran consultando a lei, para encontrar um jeito de escapar da letra fria.
Thompson Flores, como seu tio-bisavô, na Guerra de Canudos, decidindo ir à linha de frente para enfrentar os sertanejos revoltosos (o tio dele acabou morto, mas esta é outra história).
Raquel Dodge acordada logo de manhã, para garantir uma medida suplementar. Foi logo ao STJ, instância recursal do TRF-4.
Será que acordaram o ministro Félix Fisher, já em idade avançada, segundo alguns com problemas de saúde?
Ou foram direto para Leonardo Bechara Stancioli, o juiz que é braço-direito do relator da Lava Jato no STJ?
O paranaense Stancioli já demonstrou que sabe sair de situações difíceis.
Em 2007, Stancioli foi flagrado numa escuta telefônica com o sogro, Paulo Medina, em que era informado de um esquema montado para garantir sua aprovação no concurso para juiz do Tribunal de Justiça do Paraná.
Mesmo com a denúncia, publicada na revista Veja, ele assumiu, e logo foi convocado para o STJ, de onde o sogro acabaria saindo, por aposentadoria compulsória, acusado de envolvimento com a máfia dos caças níqueis, liderada por Carlinhos Cachoeira, de Goiás, o Estado da atual presidente do STJ, Laurita Vaz, que mantém por força de portaria o trabalho de Stancioli como auxiliar de Fisher, na Lava Jato.
Fisher, que votou por transformar o cárcere de Cachoeira em prisão domiciliar.
Opa, mas isso não tem nada a ver com a prisão de Lula.
Será que não?
Laurita entrou na história do alvará descumprido logo depois, no dia seguinte, com a decisão em que espinafra Favreto, o desembargador que estava de plantão e, legitimamente, assinou a ordem.
E assim, depois de um domingo em que o diretor da PF considera o segundo mais tenso de sua gestão — o primeiro foi o dia da prisão de Lula —, tudo voltou ao normal para eles.
Lula preso, as instituições funcionando. E funcionando de modo peculiar. Lula se encontra em uma sala reservada da Superintendência da PF por força de lei.
Como foi comandante das Forças Armadas, como presidente da república, tem direito à prisão de Estado Maior, como generais.
Mas Garollo, o diretor que descumpriu a ordem judicial para soltar o ex-presidente — acatando um telefonema —, ao falar da prisão de Lula, em prédio construído na gestão dele como presidente, soltou a pérola:
“O Lula está lá de visita, de favor.”
Favor a quem, cara pálida?
Nem o prédio é de Lula, por ter sido construído por ele na gestão como presidente, nem é do diretor da PF.
Os dois, como pessoas físicas, vão passar.
Mas as instituições ficarão e o que, acima dela, deveria permanecer como referência de atitudes é a Constituição.
Mas esta, quando envolve Lula, tem sido rasgada.
Por que temem tanto o ex-presidente?