“Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional” (GM).
Em julgamento de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes relatou arbitrariedades cometidas pelo juiz Sérgio Moro, em 2010. O ministro pediu para ler e analisar (vista) o processo relatado pelo ex-ministro Eros Grau, para melhor exame. Nos autos é possível ler:
“É de afirmar, e o Tribunal tem-se manifestado várias vezes em relação a essa questão, que o juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal, do órgão investigador, no desfecho da investigação. De modo que peço vista dos autos para melhor exame”.
Após examinar os autos, o ministro dá o seguinte parecer sobre as atitudes do juiz federal:
“Questiona-se neste writ a atuação de SÉRGIO FERNANDO MORO, Juiz Federal titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR, na condução do processo n. 2004.70.00.012219-8, (…)
A questão, portanto, cinge-se a verificar se o conjunto de decisões revela atuação parcial do magistrado.
(…) não me parece razoável admitir que, em causas que versem sobre crimes não violentos, por mais graves e repugnantes que sejam, se justifiquem repetidos decretos de prisão, salvo, evidentemente, circunstâncias extraordinárias, pois reiteradamente esta Corte tem assentado o caráter excepcional da prisão antecipada:
“A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições em processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia” (HC 93.883, rel. Min. Celso de Mello).
(…)
Já tive a oportunidade de me manifestar acerca de situações em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por uma decisão de instância superior. Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz irroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional.
Mendes ainda continua:
Penso que não pode ser diferente o papel desta Corte e de nós juízes, pois é inaceitável, sob qualquer fundamento ou crença, tergiversar com o Estado de Direito, com a liberdade do cidadão e com os postulados do devido processo legal.
Mendes opina que as ações do juiz podem caracterizar infrações disciplinares e sugere que a turma encaminhe ofício à Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª região e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ):
Sendo assim, por mais teratológica que seja a decisão de monitorar os voos dos advogados, para efetivação de mandado de prisão, o ato, por si só, não implica suspeição do magistrado. A absurda determinação, que consta na decisão que decretou a prisão do paciente, não se amolda, com os contornos do caso, às hipóteses legais de suspeição.
Conquanto censuráveis os excessos cometidos pelo magistrado, não vislumbro, propriamente, causa de impedimento ou suspeição; não se mostram denotativos de interesse pessoal do magistrado ou de inimizade com a parte. Ao meu sentir, os excessos cometidos, eventualmente, podem caracterizar infração disciplinar, com reflexos administrativos no âmbito do controle da Corregedoria Regional e/ou do Conselho Nacional de Justiça, não o afastamento do magistrado do processo.
Em manifestação durante a sessão de julgamento, o ministro Gilmar Mendes considera que o monitoramento de advogados é um fato “gravíssimo”.
“De fato, houve uma impugnação sistemática de tudo que se relatou aqui. Agora, isso não retira a gravidade dos fatos narrados.”