O secretário de Cultura do Distrito Federal, Guilherme Reis, entra no Teatro Nacional Claudio Santoro e para próximo à porta. “Que cheiro é esse? Vem aqui”, chama o segurança mais próximo. “Tem que limpar isso”. Pega o telefone: “Alô, está com um cheiro terrível aqui na entrada do teatro, por favor, providencie a limpeza”, fala com um funcionário da secretaria.
O segurança, que aguardava ao lado, explica que o cheiro (de urina) vem da canaleta no chão, que se estende até a área externa. Diz ainda que o local foi limpo de manhã cedo, mas que os funcionários não têm controle sobre o que acontece lá fora. “Vamos ver de onde vem e colocar um tapume, isso não pode acontecer”, esbraveja Reis.
Projetado por Oscar Niemeyer na forma de uma pirâmide asteca, o Teatro Nacional está localizado no coração do Plano do Piloto de Brasília – declarado Patrimônio Mundial pela Unesco desde 1987 –, próximo à rodoviária, local de grande circulação. Mas o principal equipamento cultural de Brasília está fechado desde 2014, sofre com a deterioração e precisaria de R$ 220 milhões para sua reforma e restauro completo.
“A prioridade zero da Secretaria sempre foi o Teatro Nacional, por tudo que ele representa”, diz Reis. “Só que chegamos a janeiro de 2015 com uma crise absurda. Até 2016 era impossível priorizar a obra.” Quando Rodrigo Rollemberg (PSB) tomou posse como governador, o Distrito Federal, recém-saído de uma Copa do Mundo, apresentava um déficit nas contas de R$ 6,5 bilhões, o que prejudicou inclusive o pagamento de salários a funcionários.
Hoje, a Cultura tem a previsão de R$ 100,9 milhões para 2018, o que equivale a 0,24% do total de R$ 42,4 bilhões do orçamento do Distrito Federal, incluídos os repasses da União. A previsão para a pasta teve uma queda de pouco mais de 27% em relação a 2017. Como se vê, só a reforma do teatro consumiria o dobro do orçamento da Cultura – por isso, a opção foi pela reforma gradual dos vários espaços do teatro, via captação da Lei Rouanet, processo iniciado recentemente.
“Insuportável lá dentro”
Produtor e gestor cultural, criador do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília, Reis fala com carinho do teatro. Ele conta que, quando assumiu a pasta, tentou fazer uma reunião com a equipe na Sala Martins Pena do teatro. “Eu fiz apresentações na sala, dormi no camarim algumas vezes na vida. Pedi para abrirem tudo para arejar, mas tive que sair de lá direto para o hospital. Está insuportável lá dentro”, diz o secretário, que sofre de problemas respiratórios.
Guilherme Reis garante, entretanto, que a manutenção do teatro está mantida, que as portas são abertas toda semana e o ar condicionado é ligado. “A falta de uso, no entanto, permitiu que algumas coisas acontecessem. Por exemplo, uma bomba d’água fez chover na Sala Villa-Lobos. Se entrar lá, não consegue ficar.”
A transformação do Teatro Nacional num grande centro cultural encabeça a lista das prioridades estabelecidas pelo atual governo para a cultura. Até o momento, junta-se às prioridades não executadas (13,72%). Outros 39,21% são considerados executados e 47,05%, em execução.
Entre os espaços culturais do Distrito Federal, o teatro é o que tem a situação mais delicada pois a obra é a mais cara, orçada inicialmente em R$ 220 milhões. Diante da falta de recursos, a secretaria decidiu por simplificar o projeto e redesenhá-lo em etapas, possibilitando a abertura dos espaços assim que estivessem prontos.
Em dezembro de 2017, a entrada do teatro, o Foyer da Sala Villa-Lobos, foi reaberto, após reparos como troca de vidros e instalação de sinalização de incêndio. Ao todo, foram gastos R$ 41,5 mil. Além da escada helicoidal que leva ao mezanino, uma obra de arte em si, integram o foyer obras de Alfredo Ceschiatti, Mariane Perreti, Athos Bulcão e os jardins de Burle Marx. O espaço está aberto para visitação e já recebeu este ano shows e exposições. Mas o acesso às salas está fechado com tapumes.
Antes de ser surpreendido pelo cheiro desagradável – que se restringia à entrada não sendo perceptível em meio às plantas e às obras de arte –, Reis mostrava placas recém-instaladas, explicando as futuras etapas da obra no teatro, até ser finalmente totalmente aberto. “As pessoas querem entrar, muita gente vinha aqui e dava de cara na porta fechada, esse espaço tem que funcionar”, diz Reis.
Obra deve começar ano que vem
A próxima etapa da reforma do teatro deverá ser a Sala Martins Pena. A obra prevê troca de revestimentos, cadeiras, iluminação, estruturação do teto do palco, além de intervenções para adequação da sala às normas universais de acessibilidade, combate a incêndio e pânico.
Essa primeira fase será executada em parceria com o Instituto Pedra, organização da sociedade civil selecionada, em janeiro deste ano, em chamamento público para captar recursos, contratar e acompanhar a reforma da sala. Esta é a primeira vez que a secretaria abre um edital nesse formato, para chamar uma associação para ajudar na captação de recursos. Saída encontrada para driblar a falta de orçamento.
A intenção é captar recursos por meio da Lei Rouanet, que estabelece a política de incentivos fiscais para projetos e ações culturais, permitindo que cidadãos (pessoa física) e empresas (pessoa jurídica) apliquem nesses fins parte de seu Imposto de Renda devido.
Segundo o gerente de Projeto do Instituto Pedra, Norton Ficarelli, o projeto, orçado em R$ 43,9 milhões, foi encaminhado na segunda-feira (25) para o Ministério da Cultura e aguarda aval para iniciar a captação. O prazo de espera pode chegar a um mês, de acordo com Ficarelli. Após essa etapa, o Instituto Pedra irá procurar as empresas que possam se interessar.
“O Teatro Nacional tem muito apelo por si só, por ter a arquitetura que tem e por ser o maior e principal teatro de Brasília, que é a capital do país”, diz o gerente. “Apesar de ser um grande apelo, a gente tem um desafio de captação porque é um projeto que tem um valor bastante alto. A gente tem o desafio de mobilizar, de atrair as empresas”, completa.
Ficarelli está otimista: “Esse é aproximadamente o 15º projeto cultural que desenvolvo. A gente nunca teve um projeto reprovado.” Entre as empresas que deverão ser consultadas estão o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras, entre outras.
A expectativa é que as obras comecem até o início do ano que vem. Segundo a Secretaria de Cultura, a previsão é que, após iniciada, essa obra dure aproximadamente 12 meses.
História do Teatro Nacional
O Teatro Nacional Claudio Santoro foi projetado em 1958 por Oscar Niemeyer, com colaboração do pintor e cenógrafo Aldo Calvo, para ser o principal equipamento cultural da nova capital do Brasil. Está localizado no Setor Cultural Norte, próximo à rodoviária, tem a forma geométrica de uma pirâmide sem ápice. A área externa é revestida por um painel formado de blocos de concreto nas fachadas laterais, criado por Athos Bulcão em 1966.
De acordo com informações da Secretaria de Cultura, Oscar Niemeyer disse a Bulcão que o Teatro Nacional precisaria ter um aspecto sólido, pesado, e ao mesmo tempo leve. Buscando solucionar tal oposição, Athos criou séries de paralelepípedos com cinco formas variadas que, dispostos nas paredes laterais inclinadas, proporcionam a sensação de leveza com a luz do sol e de peso com a sombra, de regra e liberdade, adquirindo movimento cíclico ao longo do dia. Por isso, o relevo é chamado de “O Sol faz a festa”.
As obras de construção do Teatro Nacional começaram em 30 de julho de 1960, poucos meses depois da inauguração da capital. A estrutura ficou pronta em 30 de janeiro de 1961, mas as obras foram interrompidas por um período de cinco anos, sendo retomadas parcialmente em 1966 para a inauguração da Sala Martins Pena.
Nos primeiros dez anos de Brasília, o espaço vazio da pirâmide serviu para diversas funções, como campeonato de vôlei, Missa do Galo, espaço para alistamento militar, bailes de carnaval e concurso de beleza.
Entre os grandes nomes da música, da dança e do teatro que se apresentaram no Teatro Nacional Claudio Santoro, destacam-se Mercedes Sosa, Astor Piazzola, Yma Sumac, os balés russos Bolshoi e Kirov, o balé da Ópera de Paris, e, entre os brasileiros, Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Dulcina de Moraes, Glauce Rocha, Ziembinski, Márcia Haydé, Márika Gidali e o balé Stagium, Grupo Corpo, João Gilberto, Caetano Veloso, Maria Bethânia e praticamente todos os principais nomes da música popular brasileira.
O Teatro Nacional consta na lista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como com o tombamento aprovado, em fase final. Além disso, está incluído no conjunto urbanístico-arquitetônico de Brasília, inscrito no Livro de Tombo Histórico pelo Iphan em 14 de março de 1990. Brasília é o primeiro conjunto urbano do século 20 a ser reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1987, como Patrimônio Mundial. O teatro está também entre as obras de Niemeyer tombadas no ano passado pelo Ministério da Cultura.