João Carlos Ribeiro ainda é uma criança de apenas quatro anos de idade. Sequer aprendeu a falar. Todos os dias, às 05h30, antes do raiar do dia, ele já está de pé com o seu afiado terçado na mão pronto para o trabalho em um pequeno barraco na comunidade do Pão, no Vale do Juruá, onde mora com os pais. Até a hora do almoço, João corta semente de andiroba, matéria-prima utilizada rudimentarmente para obtenção do óleo e fabrico de pequenas porções de sabão. O trabalho é dividido com a irmã Glória, 9 anos, e a avó.
Às margens do Rio Quixito, no Vale do Javari, afluente do Rio Solimões, outras crianças, também, no meio da selva, sujeitas a todos os tipos de agressões, próprias do habitat, tais como malária, picada de pium, mutuca, meruim e até de cobra, trabalham duro enquanto o pai corta madeira para sustento a família.
Na comunidade do Roque, no Juruá, a rotina de Margarida Assunção, 11, não é tão diferente. Cedo, ela acorda para ir para a escola. Muitas vezes antes mesmo dos pais despertarem ela já está de pé.
Na rudimentar escola, construída com os sacrifício e limitado poder aquisitivo da comunidade, Margarida não sabe se assiste as aulas ou se cuida da criança no colo.
Outras milhares delas, que nunca colocaram os pés na entrada de uma escola, acompanham os pais em longas e penosas caminhadas nunca inferior a 20 quilômetros de floresta a dentro, onde permanecerem meses ao deus dará.
Doentes, alimentadas à base de farinha, logo essas crianças, no meio da floresta, num ambiente essencialmente inóspito, logo são vencidas pelo cansaço. Às cinco horas, acordam bastante cansadas para o início de uma nova jornada.
No meio do mato, enquanto pai derruba frondosas árvores, todas se encontram empenhadas em alguma atividade.
Os menores ficam encarregados de manter os estoques de água e lenha do acampamento e pela guarda das crianças. Se estiverem próximos do igarapé, o problema de abastecimento está resolvido. É só pegar a lata e pronto. Todos podem se servir.
Como todos os dias o cortador de madeira precisa se deslocar para um novo local, o igarapé fica mais distante e o trabalho mais penoso.
Mas a água não pode falta no pequeno tapiri improvisado e logo se embrenham mata a dentro, por muitos quilômetros, até chegarem ao distante igarapé. O perigo de cruzarem com uma onça, uma cobra ou um índio arredio do grupo dos perigosos korubos, que perambulam nas cercanias do Rio Quixito, no Javari, é sempre iminente.
Na região do Quixito, rica em madeira, animais silvestres, peixe e gás natural, centenas de crianças, todas muito magras, abdômen avantajado, desnutridas, vivem no mais completo abandono.
As mãos são iguais a de seus país, cheias de calo e ferida produzidos pela rudeza do cabo do machado e do terçado.
“Elas ajudam a gente até pra fazer comida. São elas que carregam a água, tiram lenha, e cuidam dos irmãos menores”, explica Benedito Barreto, 35 anos, que nunca derruba uma árvore se ela não tiver atingido a idade adulta.
João Carlos e sua irmã Maria da Glória não frequentam a escola.