Lula pode se preparar para a condenação em 1ª instância no caso do sítio; percurso é igual ao do tríplex; sentença deve ignorar denúncia

Leia o que vai na Folha. Volto em seguida.
Proprietário legal do sítio de Atibaia (SP), que era frequentado pelo ex-presidente Lula, o empresário Fernando Bittar declarou, em depoimento à Justiça Federal nesta segunda (12), que as reformas feitas na propriedade, para ele, estavam sendo pagas pelo petista e sua família —e não por empreiteiras.
“Eu imaginei que eles estavam pagando: a tia Marisa [Letícia, ex-primeira-dama] e o presidente Lula”, afirmou.

Lula e outras 12 pessoas, inclusive Bittar, são acusadas de lavagem de dinheiro e corrupção na reforma do sítio, bancada pelas empreiteiras OAS e Odebrecht. Para o Ministério Público Federal, o local pertencia de fato ao ex-presidente —que nega irregularidades.

Amigo da família desde a infância e sócio do filho do ex-presidente na Gamecorp, Bittar afirmou que as duas famílias “eram como se fosse uma só”, e disse que deu “carta branca” para que a ex-primeira-dama reformasse o local.

Segundo ele, o sítio foi comprado com recursos próprios, e cedido a Lula para que guardasse o acervo presidencial, a partir de 2011.
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Para ele, as obras foram “superdimensionadas” na denúncia. “São quartos simples, feitos com material de segunda. A adega não é uma adega; é um quarto de empregada. Não foi uma adega de cinema, nada disso; foi um quarto adaptado.”
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Também prestaram depoimento nesta segunda o advogado Roberto Teixeira, que supervisionou as negociações de compra e venda do sítio, e o ex-funcionário do Planalto Rogério Pimentel, que era responsável pelo acervo presidencial.

Lula irá depor à juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro, nesta quarta (14).

Em nota, a defesa de Lula afirmou que o depoimento de Bittar “não deixou qualquer dúvida de que ele é o proprietário de fato e de direito do sítio de Atibaia”.

Para o advogado Cristiano Zanin Martins, os depoimentos evidenciaram que Lula não sabia das reformas no sítio e que não existe relação entre as obras e os contratos da OAS e da Odebrecht na Petrobras, “tornando evidente o despropósito da acusação apresentada no processo e seu direcionamento à Lava Jato de Curitiba”.
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Comento
Lula e o PT já podem se preparar para a condenação — ao menos em primeira instância. E não vejo motivos para o TRF-4 se comportar de modo diferente na segunda. Se alguma chance houver para o ex-presidente, está nos tribunais superiores. Por que digo isso? Porque a questão do sítio de Atibaia segue o mesmo percurso do tal tríplex de Guarujá no que diz respeito ao “modus operandi” de Ministério Público Federal e Justiça.
Vamos ver. A denúncia do MPF está aqui

Leia você mesmo. Sustenta o MPF, por exemplo:

“LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA [LULA], de modo consciente e voluntário, no contexto das atividades de organização criminosa, em concurso e unidade de desígnios com JOSÉ CARLOS BUMLAI, FERNANDO BITTAR e ROGÉRIO AURÉLIO PIMENTEL, no período compreendido entre outubro de 2010 e 08 de agosto de 2011, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de pelo menos R$ 150.500,00, por meio de 23 (vinte) repasses, provenientes dos crimes de gestão fraudulenta, fraude a licitação e corrupção no contexto da contratação para operação da sonda Vitória 10000 da SCHAHIN pela PETROBRAS, com o concurso de JOSÉ CARLOS BUMLAI, conforme descrito nesta peça, por meio da realização de reformas estruturais e de acabamento no Sítio de Atibaia4 , adequando-o às necessidades da família do ex-Presidente da República; motivo pelo qual incorreram no delito tipificado no art. 1º c/c o art. 1º §4º, da Lei nº 9.613/98, por 23 (vinte e três) vezes. Tal valor – R$ 150.500,00 – foi objeto de solicitação a JOSÉ CARLOS BUMLAI, constituindo-se vantagem indevida recebida por LULA em razão do cargo de Presidente da República, agravada pela prática de atos de ofício, comissivos e omissivos no interesse de BUMLAI.”

“LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA [LULA], de modo consciente e voluntário, no contexto das atividades de organização criminosa, em concurso e unidade de desígnios com EMÍLIO ODEBRECHT, ALEXANDRINO ALENCAR, CARLOS ARMANDO PASCHOAL, EMYR DINIZ COSTA JUNIOR, ROGÉRIO AURÉLIO PIMENTEL [ROGÉRIO AURÉLIO], ROBERTO TEIXEIRA e FERNANDO BITTAR, no período compreendido entre 27 de outubro de 2010 e junho de 2011, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de aproximadamente R$ 700.000,00 provenientes dos crimes de cartel, fraude a licitação e corrupção praticados pela ODEBRECHT em detrimento da PETROBRAS, por meio da realização de reformas estruturais e de acabamento no Sítio de Atibaia5 , adequando-o às necessidades da família do exPresidente da República; motivo pelo qual incorreram no delito tipificado no art. 1º c/c o art. 1º §4º, da Lei nº 9.613/98, por 18 (dezoito) vezes. Tal valor – R$ 700.000,00 – foi objeto de solicitação a ALEXANDRINO ALENCAR e EMÍLIO ODEBRECHT, constituindo-se de vantagem indevida recebida por LULA em razão do cargo de Presidente da República, agravada pela prática de atos de ofício, comissivos e omissivos, consistentes, entre outros, na nomeação e manutenção dos Diretores de Abastecimento, de Serviços e Internacional da PETROBRAS comprometidos com o esquema criminoso”.

Depoimentos
Muito bem! Depoimentos de Marcelo Odebrecht e de seu pai, Emílio, sustentam que a reforma era um mimo para Lula — com custo contabilizado (ao menos nos apontamentos de Marcelo). Eles não atestam, nem teriam como fazê-lo, que o sítio pertencia a Lula. Mas deixam claro que o beneficiário da reforma era o ex-presidente. Também Bittar, amigo dos Lula da Silva, afiram que o líder petista e seus familiares é que usufruíam da propriedade que ele diz ser sua. Admite que a reforma obedeceu a instruções de Marisa Letícia.

Então temos os empreiteiros a afirmar que o destinatário das obras era, sim, Lula. A aquele que diz ser — e também o dizem os documentos legais — o dono do imóvel reconhece que as obras não atendiam às suas necessidades, mas às da família do ex-presidente.

Bem, meus caros, dizer o quê? Numa ação penal, cabe ao órgão acusador apresentar as provas da denúncia oferecida. Esse caso só está na 13ª Vara Federal de Curitiba porque se sustenta, como evidencia trecho acima — e a integra está à disposição — que os recursos que financiaram a reforma são oriundos de contratos celebrados com a Petrobras. Se a empresa não estivesse no rolo, o caso teria sido distribuído a outro juiz, não a Sérgio Moro.

Respeitados os pressupostos do devido processo legal — ou do processo penal —, importa menos saber, nesse caso, se o sítio é ou não de Lula, mas se o dinheiro que financiou a reforma teve ou não origem em contratos com a Petrobras. E aqui faço uma aposta: essas evidências não vão aparecer. Também nesse caso, vai-se condenar Lula pelo conjunto da obra. Assim como não apareceram os vínculos entre o tríplex de Guarujá e os contratos que são citados na denúncia.

Vai acabar valendo nesse caso o mesmo raciocínio que fez Moro no processo do tríplex: se o dinheiro da reforma veio das empreiteiras e se as empreiteiras tinham contrato com a Petrobras — ainda que mantivessem dezenas de outros com outras estatais e com a administração federal —, então se pode dizer que os recursos que supostamente beneficiaram Lula têm sua origem também na Petrobras. Mas que ato ele teria cometido para caracterizar o crime? Manteve em diretorias da empresa pessoas que beneficiavam as empreiteiras…

Sim, a reforma foi feita. Sim, os indícios de que as empreiteiras financiaram a dita-cuja são muito convincentes. Fernando Bittar insiste em que o sitio é seu, mas diz que o dinheiro não saiu do seu bolso. Quando menos, na melhor das hipóteses para Lula, há uma relação imprópria com as empreiteiras. Não parece haver aí uma relação corriqueira.

Mas cabe a pergunta: o MPF vai apresentar as provas de que o dinheiro saiu de contratos com a Petrobras, que é, afinal, o que cumpriria ao órgão acusador fazer, já que é isso que consta da denúncia? Vai aqui uma aposta: isso não vai acontecer. Será mais uma sentença da estirpe desta nova forma de direito que se passou a praticar no Brasil: a denúncia vira um mero pretexto formal para a condenação, ainda que esta não esteja ancorada na… denúncia.

Pouco importa o destino de Lula, uma coisa é certa: sem a denúncia aceita, a pessoa ainda nem é ré. Logo, a aceitação que a faz ré supõe a admissão dos termos da denúncia como a imputação que ou vai ser referendada por provas ou vai ser desqualificada pela falta delas.  O Brasil vive um tempo do que chamo “denúncia cambiante”. Se vocês perceberam, nem se fala mais dos tais contratos envolvendo a Petrobras. O que se discute é se o sítio pertence ou não ao ex-presidente.

Se a prática se generaliza, simplesmente dissolve-se o direito. E denúncia e sentença, estranhas entre si, transformam-se apenas em armas contra o inimigo.

Querem saber? Pertença ou não o sítio a Lula, o mimo das empreiteiras foi oferecido. E aceito, quando menos, pelo seu entorno.

Mas qual é mesmo a denúncia?

Publicada: 13/11/2018 – 8:16

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