Ministros do STF defendem fim do foro privilegiado

POR SÉRGIO RODAS OLIVEIRA

Na semana passada, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) alteraram o regimento interno da Corte. A mudança transferiu as ações contra deputados federais, senadores e ministros de Estado do plenário para as turmas. Estas, que são duas, têm cinco ministros em cada, e podem condenar ou absolver um réu com apenas dois votos, contra um mínimo de quatro votos no plenário, diminuído o tempo de duração dos processos.

As alterações trouxeram à tona o debate sobre o foro privilegiado. O instituto, constante da Constituição Federal, garante que certas autoridades, como presidente da República, parlamentares, governadores e comandantes das Forças Armadas sejam julgados diretamente por tribunais superiores, como o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para o ministro Luís Roberto Barroso, a mudança no regulamento do STF deve acelerar o debate no Legislativo sobre o fim do foro privilegiado. O também ministro do STF Marco Aurélio Mello, que disse que as alterações vão “melhorar muito o funcionamento” da Corte, defende o fim dessa prerrogativa de autoridades.

“Eu sou favorável a que todo e qualquer cidadão seja julgado em primeira instância, inclusive o presidente da República, se for o caso. Eu sou contra prerrogativa de foro, porque nós não julgamos os cargos, nós julgamos as pessoas que ocupam os cargos. (…) Se a pessoa comete um desvio de conduta, ela deve responder como um cidadão normal”, opina Marco Aurélio.

O ex-ministro do STF Carlos Velloso, também entusiasta da transferência dos julgamentos de congressistas às turmas, afirmou que o foro privilégio é “um privilégio descabido em uma república”.

“Faça uma pesquisa: examine, por exemplo, o que ocorre nos EUA. Não existe isso. Por que [uma autoridade] tem que ser julgada por um tribunal superior? Por que a estrela na testa? Veja a França, a mesma coisa. Se você comparar com as principais democracias do mundo, isso não existe, é retrógrado”, analisa Velloso.

O Brasil é um dos países que ampara mais cargos com a prerrogativa de foro. O instituto, existente desde a Constituição de 1891 e ampliado pela Carta Magna de 1988, tem o objetivo de assegurar julgamentos isentos de pressões políticas e de alta qualidade técnica a ocupantes de cargos importantes para o país. Além disso, visa a evitar instabilidades institucionais que poderiam ocorrer, por exemplo, caso o presidente da República fosse condenado a um crime em primeira instância.

Por outro lado, os contrários à manutenção do foro privilegiado argumentam que ele não é compatível com uma democracia, onde supostamente todos são iguais perante a lei. Outra crítica é que os que são julgados diretamente pelo STF não têm direito a recorrer da decisão, algo que viola o princípio do duplo grau de jurisdição, estabelecido na Constituição Federal e em diversos tratados internacionais.

O funcionamento dos tribunais superiores também é atacado pelos críticos. De acordo com eles, o STF e o STJ não estão acostumados a realizar a instrução dos processos e organizar a produção de provas. Com isso, as tarefas são executadas em mais tempo e, muitas vezes, sem a mesma eficiência dos juízos de primeira instância. Ainda, essas atribuições acabam afastando as Cortes de suas funções exclusivas – de julgar a constitucionalidade de normas, no caso do STF, e de analisar violações a leis federais, no caso do STJ.

Transmissão dos julgamentos

A alteração no regimento interno do STF também acabou com a transmissão dos julgamentos envolvendo parlamentares pela televisão. A regra da Corte é que somente as questões analisadas pelo plenário são televisionadas, uma vez que as sessões das duas turmas ocorrem simultaneamente, e não é possível definir qual das duas é mais importante.
Segundo Carlos Velloso, a medida foi positiva, pois a exposição às câmeras altera o comportamento dos ministros.

“Os juízes são homens, não é? Não querem parecer ineficientes ou incompetentes aos olhos da população. Por outro lado, a população enxerga os julgamentos sob um viés mais popularesco, quando os julgamentos não têm nada de popularesco. Eu penso que o STF agiu certo”, analisa o ex-ministro.

Marco Aurélio discorda dessa visão. Para ele, que era presidente da Corte quando a TV Justiça foi criada, em 2002, a transmissão dos julgamentos é benéfica à sociedade.

“É algo que aproximou o Judiciário do povo brasileiro, deu uma transparência maior ao que nós fazemos no dia a dia do Supremo”, defende o ministro.

O atual integrante do STF também não acredita na alegação de mudança de comportamento dos julgadores: “Nós devemos atuar como se não estivéssemos sendo filmados”. E afirma que “nada impede” que os julgamentos das turmas sejam televisionados. Se isso ocorresse, os ministros decidiriam qual das sessões tem repercussão maior, e a escolhida seria transmitida.

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