“Eles chegam encostando. Na primeira vez eu me afasto, mas se eu perceber que continua, eu xingo, ameaço bater, não fico quieta não. Mas é uma humilhação.” O relato de Diana Cavalcante, empregada doméstica de 50 anos, e de tantas outras mulheres paulistanas, é recorrente. Segundo a Secretaria Estadual da Segurança Pública, este ano foram registrados, em todo o Estado, 285 casos de importunação ofensiva ao pudor – quando a vítima é assediada sexualmente em local público. Desses casos, 17 ocorreram dentro de coletivos e 13 nos pontos de ônibus.
Na Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom), apenas nos três primeiros meses deste ano, 33 homens foram detidos sob a acusação de assédio dentro dos vagões e nas estações de metrô e trem da capital paulista. Desses, dois foram presos em flagrante e permanecem presos e apenas um foi enquadrado por estupro.
Há 13 anos, Diana depende de ônibus e do trem para se locomover. “Já vi cenas terríveis, já levantaram a saia de uma mulher e ela não teve reação nenhuma, porque se a gente fala alguma coisa, eles ofendem a gente, acham ruim. Ela simplesmente desceu na estação seguinte”, relata a doméstica.
“Ontem mesmo eu presenciei uma cena. Um rapaz fingiu que tropeçou para molestar uma menina. Na hora eu não percebi, mas depois parei para pensar. Foi de propósito”, lembra o porteiro Eli Alves do Nascimento, 25 anos. Para ele, falta punição para os casos de assédio. “A solução é montar um sistema estratégico com pelo menos um policial disfarçado por vagão. Quando acontecer um fato como esse, ele já filma a pessoa, passa o rádio, já faz a abordagem e prende a pessoa. Isso vai fazer eles ficarem mais inibidos com esse tipo de atitude.”
Eli acredita que os vagões exclusivos para mulheres não resolveriam o problema. “Se separar o vagão, uma hora ou outra vai misturar de novo, então vai continuar acontecendo, ou eles vão fazer do lado de fora. O negócio é dar boa uma punição, para que eles pelo menos tenham medo, não se sintam tão livres para fazer esse tipo de coisa”, defendeu.
Aline Valderrama Alves de Narciso, 23 anos, discorda. Ela, que também já foi vítima dos abusadores, acredita que os vagões femininos podem ajudar. “Acho que seria bem melhor, porque realmente tem homem que se aproveita da situação. Eu ficaria mais confortável”, desabafa a operadora de telemarketing.
Aline revela os truques usados por muitas mulheres para se defender dentro de um vagão lotado. “Procuro ficar mais entre as mulheres. Se chega um homem perto, eu procuro ficar de lado, ou então de frente para ele. Tem o truque do cotovelo também. Inclino o cotovelo para trás, para afastá-lo de mim”, diz.
Outro artifício que vem sendo usado por elas é espetar o molestador com um alfinete. Na última sexta-feira, uma ação do movimento Mulheres em Luta distribuiu cerca de 400 alfinetes na Estação Capão Redondo do metrô, durante o horário de pico.
“A ação no Capão Redondo foi muito boa. As mulheres, que sempre sofrem, apoiaram, vieram nos parabenizar, pedir ajuda”, diz Janaína Rodrigues, organizadora da campanha “Não me encoxa, que eu não te furo”. O movimento pretende percorrer as principais estações de São Paulo levando esclarecimento às passageiras e entregando kits com o alfinete.
Em outro ato, na última quarta-feira, mulheres do Levante Popular da Juventude distribuíram panfletos e estenderam faixas nas proximidades das catracas de acesso à área de embarque da Estação Sé, no centro da capital.
Ananda Felisberto, representante do Levante, conta que ela mesma já foi vítima de assédio há três anos. “Eu usava uma saia não muito curta, mas apertada. O ônibus estava cheio e eu senti atrás de mim um homem encoxando. Fiquei sem saber o que fazer. Por mais vontade que a gente tenha de gritar e dizer que isso não pode acontecer, psicologicamente é uma coisa muito surreal quando acontece. Na maioria das vezes, a gente não revida cantada, não arruma briga quando isso acontece dentro do transporte. Acho que hoje eu não ia ficar quieta como há três anos”, desabafou.
Ananda acredita que a raiz do problema está na própria sociedade brasileira, marcada pelo machismo. “Os homens acham que podem fazer o que querem com as mulheres, acham que os corpos delas são públicos. Na rua, a gente leva cantada e isso é tido como natural. E se você vai à delegacia, ainda perguntam que tipo de roupa você estava vestindo ou o que você estava fazendo. Isso é reflexo do machismo”, disse.
Uma das maiores reclamações da representante do Levante é o fato de as mulheres não se sentirem seguras para ir a uma delegacia. Segundo relato dos agentes de segurança que trabalham à paisana no metrô de São Paulo, 80% das mulheres que sofrem assédio em situações que são presenciadas por eles preferem não prestar queixa.
Alguns, inclusive, aproveitam-se da impunidade para continuar agindo. Um dos abusadores mais conhecidos pelos agentes tem nove passagens pela polícia e já foi pego praticando assédio sexual em shoppings centers, elevadores, ônibus e vagões de metrô e trem. “Ele sempre diz que não consegue evitar, porque tem ‘frotteurismo'”, conta um dos agentes, que não pode ter a identidade revelad
José Leon Crochík, docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), explica que o frotteurismo é um comportamento mais comum entre os homens. “Eles aproveitam espaços com muita gente para ter contatos sexuais sem a permissão dos outros. Em outras palavras, trata-se de um tipo de abuso sexual.”
De acordo com Crochík, o que estimula quem sofre de frotteurismo é a expectativa de não ser punido e o desejo de ter prazer com o outro, sem a sua permissão. “Isso o faz sentir domínio sobre o outro, é mais do que a masturbação e bem menos do que o ato sexual forçado. De todo modo, é um ato solitário que incomoda o outro”, explica. Já a consequência nas vítimas desse tipo de abuso é o medo de estar em situações em que possam ser molestadas novamente.
Agência Brasil