“Não, obrigado”: quem são e o que pensam os pais que não mandaram filhos de volta à escola

As aulas presenciais estão sendo retomadas em todo o país. Ainda assim, há mães e pais que preferem manter os filhos em casa, temerosos com a contaminação do coronavírus. Não há vacinas para crianças e os professores não começaram a ser vacinados, por isso, muitos alunos ainda estão em casa.

Taciana Stec tem três filhos: um, de 8 anos, é bolsista em uma escola particular, enquanto as mais novas, de 4 e 6, estudam na rede municipal de Curitiba. Ele voltou para a escola, mas elas não.

“As meninas eu preferi manter em casa por conta da estrutura da escola municipal. Eles têm o protocolo de segurança, mas a gente foi lá e visitou e o que eu percebi foi que eles não têm pessoal. Falta inspetor no pátio para garantir que as turmas não se misturem”, relata.

A ventilação das salas é diferente na escola do filho, mais ampla e com mais janelas. Enquanto a delas não oferece a mesma estrutura. “A escola particular é imensa, uma das mais reconhecidas da cidade, então, eles têm estrutura para manter as crianças afastadas, para ter pouco aluno dentro da sala e as salas são super ventiladas. Para mim, o pior é isso, é as crianças, mesmo que poucas, estarem dentro de uma sala com uma janela.”

Mesmo com o filho estudando em uma escola particular na cidade de Pinheiral, no Rio de Janeiro, Alcimari Pires optou por deixar o adolescente de 13 anos em casa. O problema, para ela, não era a estrutura do colégio, mas o quanto poderiam assegurar que o filho cumprisse com os protocolos de segurança sanitária.

“Acho que ele não tem maturidade suficiente para tomar todos os cuidados que devem ser tomados, como usar a máscara o tempo todo, não colocar a mão no rosto, cabelo, usar álcool gel o tempo todo”, explica. “Eu acredito que o colégio esteja fazendo o melhor, o problema são os alunos mesmo, nessa idade eles estão mais preocupados em se relacionar, conversar e beijar na boca.”

A família tem duas pessoas no grupo de risco: Alcimari e o pai dela. Por isso, ficam preocupados ao pensar em mandar os filhos para a escola.

Aprendizado

Decidir por manter os filhos em casa não quer dizer, por outro lado, que as famílias não se preocupem com a aprendizagem dos filhos. Alcimari avalia que o filho, que cursou o 7º ano em 2020, aprendeu cerca de 60% do conteúdo. “Mais uma vez, não culpo o colégio, acho que eles fizeram um bom trabalho, o problema é o aluno, que não consegue se concentrar e manter o foco a distância. Eles ainda não têm esse hábito nem a disciplina necessária para isso. Mas, é melhor o ensino remoto do que nada”, opina.

Já Taciana teve de encara um ano de 2020 praticamente sem aula para as filhas mais novas. Enquanto o filho tinha aulas transmitidas ao vivo pela professora que já conhecia, as meninas recebiam vídeos prontos.

“Já na rede pública, as meninas ficaram praticamente sem aula. Porque eles fizeram um esquema de passar as aulas no YouTube ou na TV aberta, mas com professores genéricos. Eles contrataram um time de professores para cada disciplina, para cada ano, então, não era a professora delas, não tinha interação nenhuma, não tinha os colegas, não era exatamente o que ela tinha começado a ver na escolinha. Além de tudo, estava descontextualizado”, conta. Por isso, ao longo do tempo, as filhas desistiram de assistir às aulas e a mãe preferiu não força-las.

Ela ressalta ainda a questão do vínculo. Professora, Taciana entende que as crianças aprendem, também, pelo afeto e vínculo entre os colegas.

Ilana Shavitt, psicóloga comportamental com foco em atendimento em crianças e adolescentes, ressalta que as atividades online se prepuseram a dar conta da falta do ensino formal, mas a troca entre os alunos faz falta.

“A escola é um ambiente que promove o desenvolvimento, estimula as habilidades das crianças, permite a sociabilização e, além de tudo, é um ambiente de estudo formal. Podem expandir o que sabem, aprender coisas novas e adquirir conhecimento. O online se propôs a dar conta dos conhecimentos e da parte online, mas é muito difícil dar conta de todos os benefícios e especialmente do aprendizado informal que a escola proporciona”, aponta.

Ela ressalta ainda que os mais afetados são os alunos na idade da alfabetização, como a filha de 6 anos de Taciana. “Dependendo da idade, o próprio ensino formal fica prejudicado, especialmente para os menores, em alfabetização.”

Excesso de telas

Alcimari nota que o filho adolescente sente muita falta de se relacionar com os colegas da escola. O único contato que tem, atualmente, é por meio do videogame. “Uma forma de suprir a necessidade de relacionamento com os colegas é o videogame online. Por incrível que pareça estou agradecendo a Deus pelo videogame existir! Está sendo uma forma de meu filho se comunicar, conversar, rir e brincar com alguns amigos mais próximos”, diz.

Sobre o excesso de telas, Ilana afirma que há estudos que mostram que o uso excessivo tem impacto no desenvolvimento das crianças, mas afirma que é importante analisar o contexto em que se vive hoje em dia. “Acho que é mais sobre monitorar esse uso, saber dosar, entender o conteúdo dessas telas, menos do que tentar diminuir”, pondera.

A psicóloga lembra que mesmo os adultos intensificaram o modo de se usar os meios digitais durante a pandemia. “Eu mesma passei a atender por horas seguidas no computador, coisa que nunca fiz antes”, coloca. “Não é mais quanto usa, mas como usa.”

Convivência em casa

Para Ilana, sem dúvidas o tempo em casa tem afetado a relação entre pais e filhos. “De vários jeitos. Pais que passavam muito tempo fora de casa, nesse caso as crianças passaram a conviver mais com os pais e isso pode ter tido um impacto até positivo. Em muitas famílias isso aconteceu”, relata.

“Mas, também tiveram casos em que os pais ficaram mais sobrecarregados e isso transborda para a rotina das crianças e surgem questões de sono, alimentação. Tem muitos desgastes na rotina, no dia a dia, na divisão do espaço dentro da casa, na concentração das crianças e dos pais também. Tudo isso teve impacto nesse tempo em casa.”

Jacqueline Travassos de Queiroz, de Recife, tem dois filhos em idade escolar, um de 7 e outro de 13. A pequena, de 2 anos, os pais optaram por não matricular na escola. Os dois estão em ensino remoto e isolados há 11 meses. Sentem falta do convívio, mas conseguem entender a importância de ficar em casa.

“A gente até brinca que nesse sentido, sentimos falta de nos afastar um pouco. Porque esse convívio intenso e constante com a família é muito bom para nossa relação, mas pode se tornar mais tenso, quando se é o único possível em quase um ano”, diz Jacqueline.

Desigualdade

Ilana Shavit reforça o quanto é importante falar sobre a desigualdade, escancarada durante a pandemia. “Tanto na área de saúde quanto nas outras áreas, a disparidade precisa estar na agenda. Sendo mais especifica, o que a gente está vendo em muitas áreas é que a pandemia escancarou as desigualdades. Mas nas escolas também. As escolas particulares, com famílias com acesso à internet, computador, talvez tiveram menos prejuízo na parte do ensino, as crianças ficaram distante da escola, mas não fora da escola. Na escola pública, ficaram fora da escola.”

A família de Jacqueline optou por não mandar os filhos à escola, mas tem consciência dos privilégios dos quais desfruta e sente poucos efeitos.

“Meus filhos estudam em uma escola particular que possui menos de 100 alunos. Uma escola que sempre investiu em profissionais muito capacitados e comprometidos e que na pandemia foi um diferencial para os alunos. O meu filho de 7 anos está cursando o 3º ano e estuda com mais 7 crianças. O de 13 anos está no 8º ano e estuda apenas com mais 5 crianças. A quantidade de crianças sempre possibilitou um acompanhamento individualizado dos alunos e do seu desenvolvimento. E na pandemia isso ficou ainda mais exposto. Com essa pequena quantidade os alunos permaneceram participando das aulas, sendo ouvidos e ouvindo o outro”, descreve.

Os pais sempre conseguiram acompanhar a rotina dos filhos e ajuda-los no que fosse necessário. Para muitos pais, que precisam estar fora de casa, a realidade é diferente.

Taciana percebe a desigualdade na educação dentro da própria casa, com um filho em escola particular e outras duas na rede municipal. Em Curitiba, conta, diversas escolas tiveram problemas com abastecimento de água, porque a cidade vive um sistema de rodízio de distribuição.

“Me parece que as escolas com menos estrutura de caixa d’água estão sendo mais afetadas. Tem dias que realmente fica sem água na torneira das escolas, coisa que não acontece na escola particular, porque eles devem ter um sistema de armazenamento melhor. Por essa questão da água, fica comprometido também a questão da higiene, lavar a mão das crianças”, diz Taciana.

O filho tinha a possibilidade de interagir com os colegas durante as aulas, enquanto as meninas, com o tempo, foram esquecendo da professora, dos colegas e da rotina escolar, por falta de estrutura.

“Para mim, a questão maior é: as escolas têm um protocolo, mas o quanto elas conseguem cumprir desse protocolo e garantir que ele seja efetivado? Não é só escrever um protocolo, mas ter uma estrutura física e recursos humanos para garantir que as crianças não vão se aglomerar, vão ser lembradas de colocar a máscara, não compartilhar o material”, opina Taciana.

 
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