247 – Entrevista traduzida por William Robson – O jornal catalão La Vanguardia reproduziu neste domingo uma entrevista com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. É uma das poucas entrevistas concedidas a veículos estrangeiros, diante das pressões internacionais, sobretudo, dos Estados Unidos para derrubá-lo do governo e do novo mandato que acabou de assumir.
A entrevista foi concedida ao jornalista catalão Jordi Évole, que gravou a conversa para o seu programa televisivo e de onde foi extraída a versão publicada no diário de Barcelona. O relato foi traduzido e agora publicado no Brasil 247, em português.
Maduro fala das investidas contra seu governo, das intromissões internacionais, critica líderes e ressalta a luta do povo venezuelano para impedir que seu país se torne um quintal dos Estados Unidos, a exemplo de outras nações como o Brasil do presidente Jair Bolsonaro.
Segue a entrevista de Jordi Évole, para o La Vanguardia:
JORDI ÉVOLE – Sinto-me privilegiado, mais do que outros colegas meus que foram detidos ou deportados de seu país nos dias de hoje.
NICOLÁS MADURO – Você sabe que existe uma campanha para que a Venezuela pareça um monstro, uma ditadura. E qualquer evento que acontecer por aqui será amplificado, para que se some à campanha permanente de desgaste e assim, poder justificar qualquer ação contra o nosso governo.
Como, por exemplo, a detenção de jornalistas?
Aqui não há prisão de jornalistas.
Sim, houve.
Não houve prisão de jornalistas
O que houve então?
Montagens, provocações… Eles fazem montagem para servir de notícia e, em seguida, reproduzi-lo no Twitter, através de redes sociais. Na Venezuela há pleno exercício da liberdade.
Eu falo sobre o caso de três jornalistas da agência EFE (houve outros casos com outros jornalistas de outros meios), que foram detidos por 24 horas e depois liberados.
Essa notícia é para você e para outros um escândalo. Uma provocação. Uma situação de abordagem que certamente foi feita e transformam isso em notícia de que o regime ditatorial de Maduro está perseguindo jornalistas.
24 horas de abordagem?
Podem ser 48, como em qualquer país do mundo.
Se isso terminar mal, você se sentirá responsável?
Isso não terminará mal. Nós temos a experiência de 20 anos de luta. (…) Mas para o bem, ou para o mal, eu assumo toda a minha responsabilidade.
Qual é a probabilidade de que a situação na Venezuela acabe em uma guerra civil?
Ninguém poderia hoje dar com certeza uma resposta para essa pergunta. Tudo depende do nível de loucura e agressividade do império estadunidense e seus aliados ocidentais. Nós simplesmente vivemos em nosso país e pedimos que ninguém intervenha nos assuntos internos. E nos preparamos para defender nosso país.
Precisamente, esta semana você ordenou a criação de 50 mil unidades populares de defesa. São medidas que não convidam ao otimismo.
Por quê? (…) É o povo, organizado como miliciano, em seu bairro, em sua fábrica, na universidade. Nos diferentes espaços. Eles são corpos de combatentes.
Esses corpos têm armas?
Eles têm acesso ao sistema de armas das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas. Eles têm treinamento militar.
O senhor está disposto a armar as pessoas?
A cidade já está se armando. Armado do ponto de vista profissional, institucional e constitucional. No caso de um conflito local, regional ou nacional, as pessoas sabem para onde ir, o que fazer, como se defender. (…) A opção militar está sobre a mesa de Donald Trump. O que um país deve fazer? Render-se? Se você quer paz, diz um ditado, prepare-se para a guerra. Eu gosto de dizer isso de outra maneira: “Se você quer paz, prepare-se para defendê-la”.
Estou assustado com o que o senhor está dizendo, senhor Maduro.
Sério? Isso não me assusta. (…) Não vamos entregar a Venezuela.
E o senhor não se importa com o derramamento de sangue que poderíamos imaginar?
Então nos rendemos?
Neste domingo, acaba o ultimato da União Européia para que o senhor convoque eleições presidenciais.
Nós não aceitamos ultimatos de ninguém. É como se eu tivesse dito à União Europeia: “Eu lhe dou sete dias para reconhecer a República da Catalunha, ou se não vamos tomar medidas”. A política internacional não pode ser baseada em ultimatos.
Você não pensou em convocar eleições?
Nós não consideramos aceitar ultimatos de ninguém. (…) Por que a União Européia tem que ditar normas políticas para outro país?
Descarta totalmente o apelo por eleições presidenciais?
Acredito que o que a Venezuela precisa é de uma renovação do Parlamento.
Vou repetir a pergunta: o senhor exclui totalmente a convocação de eleições presidenciais?
As eleições presidenciais foram realizadas em 20 de maio.
Repito a pergunta porque o senhor não está respondendo “Sim, eu descarto”. Parece deixar a porta aberta…
É que a porta está aberta ao diálogo, ao entendimento, ao respeito pela independência da Venezuela. A porta está aberta a mil fórmulas para este entendimento.
O senhor está contra as cordas, senhor Maduro?
(Silêncio) Seria necessário fazer uma análise do ringue para ver como está o combate. Eu creio que é duro. E nossos oponentes são poderosos. Dão golpes sujos. Não lutam respeitando as regras do jogo. Mas nos defendemos. Humildemente. Como Davi contra Golias. Nós temos nossos segredos e temos nosso alicerce.
Se o senhor estivesse diante de Donald Trump, o que diria a ele?
Pare! Pare, Donald Trump! Você está cometendo erros que vão manchar suas mãos de sangue! Pare! (…) No final, eles querem voltar a um século XX de golpes militares, de governos fantoches subordinados a seus mandos e de saques de nossos recursos naturais. E isso é inviável: o século 21 está avançado. A América Latina e o Caribe não podem ser o quintal dos Estados Unidos.
O que você sentiu quando ouviu o ultimato de Pedro Sánchez (primeiro-ministro espanhol)?
Que Pedro Sánchez é um farsante. Que é ele quem não foi eleito por ninguém. Fui eleito e reeleito por votos populares. Nós ganhamos 23 de 25 eleições em 20 anos. E Pedro Sánchez deveria ser ele o único a convocar eleições para que o povo espanhol pudesse escolher quem é seu presidente. Ele é um presidente não eleito. Isso é o que eu penso de forma automática e acho que todos os espanhóis pensam assim. (…) E creio que Pedro Sánchez não sairia bem nas eleições que convocasse.
No ano passado, a inflação na Venezuela cresceu 3% por dia.
Nós temos uma guerra econômica…
O senhor recorre novamente a um inimigo de fora.
É interno também. (…) Agora, devemos dizer também que temos proteção social, e desemprego abaixo de 6%.
Mesmo assim, centenas de milhares de venezuelanos decidiram fugir do país.
Eu acredito que existem 600 mil, 800 mil venezuelanos.
Existem fontes que falam de três milhões.
Muitas pessoas foram enganadas. Ou com esperança. (…) Eles saíram com uma visão falsa ou em desespero.
Senhor Maduro, o senhor considera que sair do governo a tempo é uma vitória?
Os bolivarianos não desistem. Nós somos, como diz Rodríguez Zapatero, como os vietnamitas: lutamos até com nossas unhas. (…) Para coisas ruins, nunca aceitaremos nada, que eles saibam disso. Deixe Pedro Sánchez saber. Pedro Sánchez, você sabe! Pelo mal, você vai afundar. A Venezuela, para o mal não dá um passo em qualquer direção, que o mundo saiba disso.
(Entrevista traduzida por Willian Robson)