Por Gustavo Conde – Assim como a própria Lava Jato, a reportagem do The Intercept sobre a Lava Jato tem fases. E a fase atual é a da ‘parceria’. Repórteres do site liderado por Glenn Greenwald consideram o lote de troca de mensagens entre procuradores e juiz um ‘bem público’ e, portanto, pertencente ao universo da informação brasileiro.
O grande escândalo que a reportagem mostrou e continua mostrando é, a rigor, a mesma: a intimidade técnica, política, semântica e conceitual entre duas partes que jamais poderiam ostentar tal casamento em comunhão de delitos.
No lote compartilhado com o jornal Folha de S. Paulo, no entanto, há um detalhe sórdido a mais: a menção a Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal, responsável pela Lava Jato naquela corte, enseja preocupações adicionais com o nível de conspiração presente na Operação.
Visto como obstáculo pela Lava Jato e morto em circunstâncias até hoje não esclarecidas, Teori Zavascki, incomodava Sergio Moro particularmente por repreendê-lo pela quebra ilegal do sigilo da presidência da República – o episódio do vazamento para o Jornal Nacional da Rede Globo em que uma ligação, protegida pela Constituição Federal, entre o ex-presidente Lula e a então presidenta Dilma Rousseff, foi oferecida covardemente como “prova” de autofavorecimento a Lula – e que bloqueou a nomeação do ex-presidente como ministro-chefe da Casa Civil.
Ao se referir a Teori nas mensagens divulgadas pelo The Intercept / Folha de S. Paulo, Moro diz a Dallagnol: “é melhor não nos metermos nisso”.
O contexto é a manifestação contra o ministro convocada pelo MBL (Movimento Brasil Livre). Àquele momento, Teori aparecia como um ‘empecilho’ à Lava Jato, justamente porque o ministro do STF era rigoroso e trabalhava para fazer valer a Constituição.
Dentre tantas coisas que Moro e Dalagnol temiam com relação a Teori Zavascki, a mais relevante para os conspiradores era a possibilidade quase certa – haja vista o protocolo legal acerca do foro privilegiado – de Teori desmembrar a Lava Jato para dar conta das condições específicas de cada um dos acusados.
Na turbulenta relação entre STF e Lava Jato, não raro o primeiro se submetendo à segunda (sendo o grande foco de acovardamento da corte suprema), fica patente pelas mensagens e, sobretudo, pelo tom das mensagens, que Moro e Dallagnol operavam livremente para acossar Teori Zavascki, omitindo-se de sua defesa institucional e deixando-o sangrar às movimentações bestializadas e patrocinadas do MBL: “é melhor não nos metermos nisso”.
É muito bem-vinda a conexão destes presentes vazamentos com o “In Fux we trust”. Ou seja: “In Teori we don’t trust”.
Seria escandaloso se não fosse de conhecimento público e notório.
A fase da reportagem sobre o submundo da Lava Jato, no entanto, tenta, na nova parceria com a Folha de S. Paulo, apimentar a repercussão. Nesse ponto, é interessante destacar que há duas peças fundamentais no quebra-cabeça jornalístico:
1) a autenticidade das mensagens está confirmada por fontes independentes;
2) Moro costumava esconder do STF casos de foro, deixando de fora os materiais a poderiam fazer os processos subir.
Ficou mais uma vez comprovado, portanto, que não existiu respeito às partes. Tratava se de uma única força, com envolvimento de vários atores: Polícia Federal, Ministério Público e Conselho Nacional de Justiça. Vários tentáculos iam sendo armados dentro das instituições para afrontar o STF, deixando impunes seus manipuladores – que tinham a cumplicidade da imprensa corporativa, inclusive da própria Folha de S. Paulo que, hoje, apresenta-se como neófita.
A reportagem do The Intercept está longe de terminar e as pressões de praxe que grassam nos interstícios do Poder Judiciário viciado brasileiro tampouco.
O Brasil estar mais uma vez na mão de vazamentos editorializados talvez não seja a excelente notícia que parece ser.
O que fica patente, no entanto, nesta fase da “Operação The Intercept” é que Teori Zavascki se mexe no túmulo da justiça brasileira.
Diante de tanta conspiração, violência judicial e conluios múltiplos entre mídia, Juízo e Ministério Público, resta mais uma vez a já conhecida expectativa frustrada de o STF recolocar alguns pingos nos is.
Cada vez mais, no entanto, fica a impressão de que decorativo mesmo não era Michel Temer, tampouco Bolsonaro, esta força esplendorosa da estupidez aplicada.
Decorativo de verdade foi o STF, que assistiu inerte a coreografia da Lava Jato.
Talvez, nunca antes, na história do poder judiciário, uma Suprema Corte tenha se curvado tanto a um juiz de primeira instância.
A reportagem do The Intercept e da Folha de S. Paulo seria a oportunidade única para que esta corte buscasse se redimir e se reencontrar com a Constituição.
Resta saber em que nível está o covardômetro ali instalado.