O desabafo de Moro: “nem durante os governos do PT ocorreu interferência na Polícia federal”

A notícia da saída do diretor-geral da Polícia Federal começou a circular na tarde de quinta-feira e gerou uma crise nos bastidores do Planalto. Valeixo trabalhou com o ex-juiz no início da Operação Lava Jato e foi levado por ele ao comando da PF no início da gestão Bolsonaro, por isso era homem de confiança de Moro.

Militares entraram em ação durante a tarde de quinta-feira para tentar evitar a saída do superministro da pasta da Justiça. Acenaram com a possibilidade de ele ser responsável pela indicação do substituto.

Mas, nesta sexta-feira, o Diário Oficial trouxe a exoneração do diretor-geral da PF. Nas redes sociais, o próprio Planalto e o deputado Eduardo Bolsonaro ressaltaram, de forma a tentar criar uma vacina, que a saída de Valeixo foi feita “a pedido”.

A justificativa, entretanto, foi rechaçada por Moro na manhã desta sexta, ao afirmar que ele estava sendo pressionado. O agora ex-ministro também afirmou que não assinou a exoneração de Valeixo, apesar de sua assinatura constar no Diário Oficial. “Eu não assinei [a exoneração do Valeixo]. Fui surpreendido. Achei que foi ofensivo.”

Moro faz cita Lula, Dilma e o governo do PT

Moro ressaltou ainda que essa interferência na Polícia federal não ocorreu nem durante dos governos do Partido dos Trabalhadores, um dos principais alvos da Operação Lava Jato, o que acerta em cheio uma das bandeiras do Governo Bolsonaro: a luta anticorrupção.

“Foi garantida a autonomia da PF nos trabalhos de investigação. O Governo na época tinha inúmeros defeitos, crimes gigantescos e foi fundamental a manutenção da autonomia da PF, que permitiu que resultados fossem alcançados”, disse.

“Imagina se durante a própria Lava Jato o ministro, a então presidente Dilma e o ex-presidente [Lula] ficassem ligando para as autoridades para obter informações?”, ressaltou.

O agora ex-ministro também afirmou que escutou do presidente que havia preocupação, por parte dele, com investigações em curso. “O presidente me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF e a troca seria oportuna da Polícia Federal por esse motivo. Também não é razão que justifique a substituição. É algo que gera uma grande preocupação.”

Nos bastidores em Brasília, a saída às pressas de Valeixo é creditada à abertura de inquérito para investigar a organização das manifestações favoráveis à ditadura militar ocorridas no último domingo, dia 19, e endossadas pelo presidente. O pedido de investigação, feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, foi aceito pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. A investigação ficará a cargo da Polícia Federal. Apesar de o inquérito não ter, inicialmente, Bolsonaro como alvo, há o temor do Governo de que no decorrer da investigação ele acabe envolvido. E que se chegue a nomes de organizadores próximos a ele. Além disso, é de responsabilidade da Polícia Federal também as investigações referentes ao inquérito da fake news do STF, que apura a disseminação de notícias falsas em redes sociais e que podem envolver Carlos e Eduardo, filhos do presidente. Também há a preocupação de que a Polícia Federal avance nas investigações contra o terceiro filho de Bolsonaro, o senador Flávio (Republicanos-RJ), suspeito de desviar recursos de seus antigos assessores na Assembleia Legislativa do Rio.

Moro chegou ao ministério no ano passado com a alcunha de superministro e com a promessa de que teria carta branca para atuar. Mas não foi isso que ocorreu na prática. Meses depois da posse, Bolsonaro passou a dizer que ele próprio tinha poder de veto sob as decisões ministeriais. Esta foi a quinta vez que o presidente deu sinais públicos para enfraquecer Moro, um ministro mais popular que o próprio mandatário. As outras foram: quando Bolsonaro aventou a possibilidade de demitir Valeixo no ano passado, sinalizando que trocaria o superintendente da PF no Rio de Janeiro, quando sugeriu que dividiria o ministério em dois; e quando sancionou a lei que criava a figura do juiz de garantias, contrariando a orientação de Moro. Além de ser constantemente alvo de fogo amigo provindo do Palácio do Planalto, Moro se incomodou com a aproximação de Bolsonaro com figuras condenadas ou rés nos dois maiores escândalos de corrupção do país, o mensalão do PT a Lava Jato.

A saída ocorre pouco mais de uma semana depois de o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deixar o posto em seu momento de maior popularidade, em meio ao combate à crise da covid-19. E é uma decisão difícil para o próprio Moro, que com a ida ao Governo abriu mão de uma carreira de juiz, que não poderá retomar. “Meu futuro pessoal após isso, abandonei esses 22 anos de magistratura, infelizmente é um caminho sem volta. Quando assumi, eu sabia dos riscos. Eu vou descansar um pouco. Nesses 22 anos foram muito trabalho. Especialmente durante o período da Lava Jato e como ministro não tive descanso.”

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