O tema das chamadas notícias falsas (ou fake news, no termo em inglês que foi popularizado) vem chamando a atenção de autoridades no mundo inteiro. Assim como no Brasil, no Reino Unido o assunto também objeto de debates intensos. Ontem (29) o Parlamento Britânico divulgou um relatório no qual discute o problema e apresenta medidas e estratégias para combatê-lo. Parte das recomendações é direcionada ao governo, que prometeu apresentar propostas nos próximos meses sobre o tema.
Uma primeira preocupação do documento é a conceituação. Assim como em outros estudos internacionais, os autores refutaram o uso da ideia de fake news e optaram pelo termo “desinformação”. Esta é difundida com o objetivo de obter lucro ou ganhos diversos, como a promoção de uma agenda política, podendo influenciar até mesmo eleições e processos políticos. Um exemplo citado pelo próprio relatório foi o referendo que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia, realizado em 2016.
Checagem
Uma das medidas mais comuns no combate à desinformação tem sido a checagem e a classificação de conteúdos enquanto tal. Isso por vezes é feito por agências e por projetos específicos, tanto por profissionais quanto por sistemas automatizados. É o caso da coalizão internacional First Draft, com iniciativas em diversos países.
No Brasil, o Facebook celebrou parceria com três agências (Lupa, Aos Fatos e France Press) para verificar seus conteúdos e apontar casos de mensagens falsas. Os autores do relatório divulgado pelo Parlamento Britânico propõem que o governo crie um grupo de trabalho com especialistas para formular parâmetros que possam ser aplicados a sites e ajudem os leitores a avaliar as fontes de informação a partir desses critérios.
Regulação
Os parlamentares avaliam que a legislação do Reino Unido é insuficiente para lidar com os desafios postos pelo ambiente digital, especialmente no tocante à desinformação. Eles consideram que as plataformas não são intermediárias neutras, mas determinam o que é visto por meio de critérios e algoritmos, como no caso dos resultados de busca do Google ou da linha do tempo do Facebook. A responsabilização destas plataformas digitais é afirmada como estratégia central contra a desinformação.
Por não serem meramente “plataformas” nem veículos (publishers), essas empresas deveriam ser reguladas a partir de um conceito novo e com regras específicas definindo sua responsabilidade quanto a conteúdos prejudiciais e ilegais. O texto não detalha, mas indica a possibilidade de mecanismos de remoção deste tipo de mensagem a partir tanto de denúncias de usuários quanto por identificação da própria plataforma. A não retirada pela companhia poderia ensejar questionamentos judiciais.
Entre as exigências sugeridas pelos autores estão medidas para aumentar a transparência dessas plataformas frente aos usuários e ao Poder Público. O texto cita como exemplo o fato do presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, ter sido convocado pelo Parlamento Britânico para prestar esclarecimentos sobre o tema e sobre o escândalo envolvendo a empresa e a consultoria Cambridge Analytica e não ter sequer respondido até o momento.
“O governo deve atuar de maneira pró-ativa para encontrar soluções práticas relacionadas à transparência que vão funcionar tanto para usuários quanto para instituições públicas e as próprias companhias de tecnologia”, recomenda o relatório. O documento propõe, por exemplo, que os mecanismos de segurança e os algoritmos sejam auditados, para “assegurar que eles operam de maneira responsável”.
Eleições
Um exemplo é são as regras eleitorais, que devem ser reformadas de modo a impedir interferências externas nos pleitos. O relatório cita indícios de atuação de perfis russos na disputa do ano passado, que terminou mantendo a hegemonia do partido conservador, liderado pela atual primeira-ministra Teresa May.
“A Lei eleitoral precisa ser atualizada para refletir as mudanças nas técnicas de campanha, e avançar dos panfletos e outdoors para mobilizações políticas online calcadas em direcionamento, assim como as categorias cobertas pelas estratégias com conteúdos pagos e orgânicos”, defendem os autores. Entre as propostas estão medidas de transparência como a obrigação de que as plataformas disponibilizem informações sobre quem financiou um anúncio pago de campanha.
Proteção de dados
Outro exemplo de legislação passível de atualização é a referente à proteção de dados. No Reino Unido, esta é uma aplicação da regulação aprovada na Europa, que entrou em vigor em maio deste ano. Ela estabelece o que pode ou não ser feito com as informações pessoais, os direitos dos titulares e aponta exigência para responsáveis pelo tratamento.
Mas o documento alerta que quando o Reino Unido deixar a União Europeia o tratamento de dados por empresas em outros países, como nos Estados Unidos, deixará de ser coberto pelas regras de proteção previstas em Lei. Por isso, defende que o governo apresente uma solução para este problema. O relatório também recomenda que o órgão regulador de proteção de dados (ICO) seja fortalecido com corpo técnico especializado de modo a poder monitorar a ação de empresas.
Órgão regulador
No documento, os parlamentares defendem que o órgão regulador nacional das comunicações (Ofcom) parta das normas para conteúdo em TV e rádio (como necessidade de veiculação de informações corretas e equilibradas) para formular diretrizes que possam ser aplicadas às redes sociais e ao ambiente online.