Peixe e tucumã ao contraditório

Por Felix Valois

Através de e-mail, recebi comentário sobre o texto aqui publicado na última semana (Peixe e Tucumã). Quem o assina é o senhor Gerson Eduardo Macena e, em respeito à ética, cuido de meu dever publicá-lo. Eis a transcrição integral e literal:

“Boa noite. Desnecessário dizer do sabor dos peixes referidos no texto. Dos escritos que já li acerca desse episódio, o mais importante não foi citado: A qualidade do atendimento.
Talvez o senhor, por ter um status, nunca tenha sido mal atendido ou não tenha presenciado ficar esperando por um atendimento dentro dos moldes exigíveis. Eu já fui vítima desses letárgicos atendimentos.

Não conheço a pessoa, o que equivale a dizer que dela não sou advogado.

Agora, o seu texto e o de muitos que se pronunciaram sobre o assunto é de incentivo ao péssimo atendimento que é praticado em muitos espaços aqui em Manaus.

Não creio que o senhor não tenha essa visão, mas por uma questão de lógica deveria ter se pronunciado sobre o problema como um todo, não de forma tendenciosa.

Numa lide judicial todos os pontos são trazidos à lume para que haja justa sentença – e disso o senhor bem sabe. Até”.

Invadiu-me um sentimento de euforia. Primeiro, por saber que alguém me lê. É reconfortante. Alvíssaras.

Ao depois, porque, salvo o pequeno lapso referente a um suposto status que eu deteria, o leitor tem integral razão. Superado esse ponto, eis que sou um cidadão mais do que comum, sujeito às chuvas e trovoadas do cotidiano manauense, vamos ao que interessa.

Jamais foi minha intenção negar o contraditório, que se ergue como direito inalienável de quem quer que esteja às voltas com alguma pendência. No caso específico do meu texto, ele estava implícito até pela própria compreensão do sentido. O que se deu:
uma consumidora foi mal atendida e protestou. A forma do protesto é que foi um desatino, já que ela resolveu, sem nenhuma razão, envolver todos os amazonenses na questão, assim como se a indelicadeza nos fosse inerente.

Mas que o atendimento em nossa cidade, principalmente em termos de serviços, às vezes chega às raias da exasperação, isso infelizmente é verdade.

Todos os méritos ao leitor por trazer a questão à baila. Quem ainda não esperou mais de quinze minutos em um restaurante, até que um garçom se digne de lhe trazer um cardápio? E nos Bancos?

O desrespeito com que somos tratados é um caso de polícia.

Se há vinte guichês, apenas cinco, quando muito, estão ocupados pelos funcionários, enquanto as filas se multiplicam e adquirem extensões quilométricas.

E isso porque existe lei disciplinando o assunto, determinando, salvo engano, que ninguém deve passar mais de quinze minutos à espera.

A situação não é muito diferente nos supermercados e quejandos.

Além da mesma exiguidade de atendentes, os chamados caixas preferenciais (aqueles que deveriam atender a velhos, gestantes e pessoas com dificuldades de locomoção) são mera ficção, já que nas suas respectivas filas é possível encontrar um ancião como eu, pouco atrás de um garotão que está tranquilamente manejando o seu ipod, ou seja lá o nome que tenha a geringonça, ouvindo talvez uma dupla sertaneja.

Isso para não falar dos “caixas rápidos” que hão de ter recebido esse nome a partir de um surto de humor negro de algum capitalista que assistia a uma corrida de tartarugas.

Mais: se quiser manter a sanidade mental em níveis toleráveis, jamais procure uma operadora de telefonia, móvel, fixa ou intergaláctica.

Mesmo que seja para lhes levar algum dinheiro, as tais companhias demonstram um sádico prazer em atormentar o usuário, criando-lhe todas as dificuldades possíveis e imagináveis.

E os gerúndios se multiplicam.

É um tal de “eu vou estar verificando o seu contrato”, misturado com “nós vamos estar ligando para o senhor”, que dali se sai com a nítida sensação de nunca ter assistido a uma aula de língua portuguesa.

Tudo isso para que não se consiga manter uma conversa telefônica por mais três minutos, eis que, atingido esse limite, a ligação é fatal e inexoravelmente suspensa, sem qualquer explicação. Nem tente reclamar.

É o mesmo que clamar no deserto, com a agravante de que lhe vão dizer apenas que foi “falha do sistema”.

Tudo isso é lamentavelmente verdadeiro. Mas, é claro, não pode nos ensejar a contrapartida do xingamento vulgar e ofensivo, muito menos quando essa reação, por desmedida, busca alcançar todo um povo, a ele atribuindo deméritos que podem existir apenas numa visão estritamente pessoal.

Já tive a triste experiência de um atendimento deplorável em um restaurante francês. Mas não elevei a voz para dizer que os franceses são um povo que não gosta de tomar banho. Isso é apenas o que ouço dizer e não me autoriza a tamanha deseducação.

Numa loja, em Buenos Aires, a atendente nos tratou com quatro pedras na mão, mas não ousamos transferir para todo o povo argentino a culpa pelo que é apenas uma descortesia, ou, para ficarmos no bem regional, uma leseira.

Fio ter cumprido meu dever ético.

Estabeleci o contraditório, expus os pontos da outra parte e peço apenas que o leitor tenha condescendência comigo num ponto em que sou intransigente: não posso e não vou abrir mão do orgulho de ser amazonense.

Mesmo só sabendo comer peixe e descascar tucumã.

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