Plano Diretor e estelionato (Por Felix Valois)

Está em curso na Câmara Municipal de Manaus o projeto que cuida do Plano Diretor da cidade. É assunto da maior relevância e que vem ocupando os edis, com o fito de traçar as regras que nortearão o destino urbanístico da capital no próximo decênio.

No que diz respeito à altura dos prédios que se hão de erguer, consta proposta no sentido de permitir, em áreas específicas, que os edifícios possam alcançar até vinte e cinco andares, hipótese hoje não permitida pela legislação em vigor.

Se isso é bom ou mau, dirão os técnicos especializados, com a preocupação voltada, é certo, para a preservação do patrimônio histórico.

Trata-se de coisa séria, já se vê. Apesar dessa seriedade, o assunto ensejou um episódio tragicômico, que relato conforme me foi contado.

O proprietário de uma loja de materiais de construção cumpria a labuta diária em seu estabelecimento, quando foi avisado de que quatro senhores lhe desejavam falar.

Manifestada a aquiescência, entram-lhe no escritório os quatro homens devidamente engravatados e circunspectos. Um deles, assumindo a liderança do grupo, dirigiu a palavra ao comerciante, assim falando, sem maiores preâmbulos, considerações ou chorumelas:

“Caro senhor, nós somos vereadores aqui em Manaus e viemos falar sobre o Plano Diretor, que, como é do seu conhecimento, tramita na Câmara. Também como o senhor há de saber, a aprovação do projeto, tal como se acha redigido, vai permitir que sejam erguidos prédios de até vinte e cinco andares, o que será altamente vantajoso para o setor de construção civil. Nossa missão aqui é singela: queremos saber qual o valor da contribuição que o senhor está disposto a dar para que a votação ocorra sem percalços, garantindo maioria para a aprovação da proposta”.
O mercador (essa palavra eu só via nos livros de histórias infantis), estarrecido e embasbacado, nem se deu ao trabalho de solicitar a identificação do interlocutor e optou por uma saída diplomática, assim ponderando para os visitantes em conjunto:

“Caríssimos senhores, lamento informá-los de que vieram bater em porta errada. Não que a construção civil não me diga respeito. Longe disso, já que é através dela que cumpro o castigo bíblico, decorrente do pecado original, de ganhar o pão com o suor do meu rosto. Ocorre, porém, que, no meu caso específico, estou voltado apenas para a construção de casas, de tal maneira que me é de todo em todo indiferente que os prédios tenham vinte ou quarenta andares. Em assim sendo, digo-lhes francamente que os senhores não verão um vintém sequer do meu rico dinheirinho. Passem bem”.

Vou logo antecipar meu ponto de vista, de maneira a espancar quaisquer dúvidas que se possam apresentar.

Tenho a mais pura, sincera e firme convicção de que as quatro figuras nada mais eram que meliantes comuns, desses que levam a vida a engendrar e a aplicar golpes em desavisados e ingênuos.

Bestas e lesos não eram, pois estavam muito cientes de assunto atual e importante.

Bem por isso mesmo, vislumbraram a oportunidade do ganho fácil e foram à luta, que ninguém é de ferro.

Daí a ocorrência da cena acima descrita, a qual, para lhe darmos uma feição técnica, pode ser enquadrada como estelionato, em forma de tentativa, nos precisos termos do artigo 171, combinado com o artigo 14, do Código Penal.

E por que assim me manifesto? Ora, por quê? Porque a mim se me afigura impensável e inadmissível que vereadores da minha cidade, da Manaus dos meus amores, eleitos pelo meu povo e com assento no parlamento da minha capital, possam ao menos imaginar ter um comportamento desse jaez.

Em razão das funções que exercem estariam praticando crime bem mais grave do que uma simples tentativa de estelionato, por isso que suas condutas encontrariam enquadramento no artigo 317 do estatuto punitivo, o qual, tipificando o crime de corrupção passiva e lhe cominando pena de dois a doze anos de reclusão, assim o descreve:

“Solicitar ou receber, para ou si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagemEstá explicado, assim, o motivo da minha firme convicção.

Até porque, igualmente, tenho que ser coerente com os mais de quarenta anos dedicados ao estudo do direito e, dentro deste, do direito penal.

Não posso, portanto, transigir com qualquer desrespeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, de tal maneira que seria no mínimo uma leviandade admitir que parlamentares municipais venham a chegar ao cúmulo de desonrar seus mandatos, praticando crime tão estúpido.

Definitivamente, não. E pronto.

Resta à Delegacia de Defraudações, ou seja lá o nome que tenha, investigar e apurar a identidade dos quatro trambiqueiros que tentaram a aplicação do golpe.

Nada de violência contra eles. Mera questão de prevenção com o objetivo de impedir que outros, menos diligentes, venham a ser vítimas do Golpe do Plano Diretor e acabem dando a contribuição tão eloquentemente solicitada.

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