Em artigo na Folha, o ministro Ricardo Lewandowski cita o livro de Ruth Scurr ‘Pureza Fatal’ onde convida os leitores a uma reflexão sobre os que se arvoram paladinos da virtude. O livro é uma reconstituição da vida de Robespierre que se transformou, de um modesto advogado, em implacável perseguidor de desafetos, enviando-os para a guilhotina.
E a insanidade tomou conta da França. E os eventos que se seguirão só vieram a confirmar o que nos espera a pretexto de restauração da ‘moral e bons costumes’, o que é a pregação dos puritanos de plantão. Esses, por seu turno, são substituídos por aqueles ditos salvadores da pátria. Mas o que foge neste momento, é a democracia, pois que é de sua raiz a livre manifestação da vontade popular.
Pureza fatal, por Ricardo Lewandowski
Ruth Scurr, historiadora e crítica literária inglesa, em seu instigante livro “Pureza Fatal”, convida os leitores a uma reflexão sobre o destino daqueles que, no exercício do poder ou de uma parcela dele, se arrogam o papel de paladinos da virtude.
A autora traça a biografia de Maximilien de Robespierre (1758-1794), um dos principais líderes da Revolução Francesa do fim do século 18, que se tornou uma das figuras históricas mais controversas da era moderna.
A obra reconstitui a vida daquele modesto advogado provinciano que, em meio ao turbilhão político resultante da derrubada da monarquia absolutista e seu séquito de aristocratas decadentes, se transformou num implacável perseguidor daqueles que considerasse venais ou antirrevolucionários, enviando-os sem titubear para a guilhotina.
Denominado pelos admiradores de “incorruptível”, tinha poucos amigos, era circunspecto e arredio. Embora não conste que tenha sido subornado, terminou corrompido pela soberba e vaidade. Sua dramática trajetória retrata as contradições do próprio movimento revolucionário, que com mão de ferro conduziu por um breve e tormentoso período. soberba, vaidade,antirrevolucionários,guilhotina, jacobinos,Robespierre,destaque
Integrante da facção dos jacobinos, a ala mais radical dos insurgentes, empenhou sua vigorosa eloquência para defender a condenação do rei Luís 16 à morte. Consolidou seu domínio instituindo o Comitê de Salvação Pública e a longa manus deste, o Tribunal Revolucionário, instrumentos que empregou para perseguir adversários, nos quais se incluíam os girondinos, de postura menos extremada.
Foi responsável pela instauração do Terror, regime sob o qual milhares de pessoas foram guilhotinadas, inclusive Georges Danton (1759-1794), um dos principais dirigentes do levante, porém mais conciliador.
Acabou destituído pela força e, em seguida, decapitado a mando de seus inimigos e antigos correligionários, fartos das arbitrariedades que perpetrou.
Os meritórios ideais que inspiraram os revolucionários franceses, expressos no lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, depois manipulados para combater supostos desvios éticos, foram logo suprimidos pelo jovem e ambicioso general Napoleão Bonaparte (1769-1821), o qual instaurou uma ditadura, aplaudida pelo povo, cansado dos intermináveis expurgos promovidos pelos jacobinos e também receoso do retorno da nobreza deposta.
Após diversas conquistas militares que desestabilizaram a Europa, Napoleão foi derrotado por uma coalizão de países, liderados pela Inglaterra, sendo preso e exilado na ilha de Santa Helena, onde acabou morrendo longe de tudo e de todos.
A lição extraída pelos estudiosos dessa singular época de desmandos e desatinos, cometidos a pretexto de restaurar a moral e os bons costumes, é que os puritanos de plantão quase sempre são substituídos por outros, autoproclamados salvadores da pátria. Já a normalidade institucional só é reconstituída após muitas lutas e provações, que não raro se estendem por várias gerações.
Oxalá possa o Brasil escapar desse fatídico vaticínio e trilhar, com desassombro, os rumos da plenitude democrática, cujo pressuposto é a livre manifestação da vontade popular, única legitimada para estabelecer os valores que balizam os rumos da nação.