Os votos dos últimos quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) na análise dos recursos dos condenados por formação de quadrilha no julgamento do mensalão podem ser resumidos em uma palavra: indignação.
Nesse tom, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Joaquim Barbosa criticaram a posição dos colegas que disseram não ter visto a união de pessoas para cometer um crime, um dos fundamentos da acusação de quadrilha.
Último a votar, o presidente da Corte, Joaquim Barbosa, iniciou sua fala criticando a decisão final a que se chegou na manhã desta quinta-feira.
Segundo ele, criou-se uma “maiora de circustância” e “sob medida” para derrubar um “trabalho primoroso” feito durante o julgamento. “Primeiro inventou-se recurso regimental à margem da lei com objetivo de anular a decisão já tomada”, disse, referindo-se à possibilidade, acatada pela primeira vez no STF, de se acolher embargos infringentes para votações apertadas.
“Ouvi argumentos tão espantosos como aqueles que se basearam simplesmente em cálculos aritméticos e em estatísticas totalmente divorciadas da prova dos autos, da gravidade dos crimes praticados e documentados nos autos dessa ação penal. Enfim, totalmente divorciado do individualizado que restou demonstrado no acórdão. Ouvi até mesmo a seguinte alegação: ‘Eu não acredito que esses réus tenham se reunido para a prática de crimes. Há dúvidas de que eles se reuniram? E que se associaram? E de que essa associação perdurou por mais três anos? E o que dizer dos crimes que eles praticaram e pelos quais cumprem pena?”, criticou, referindo-se aos votos de outros ministros, em especial de Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski.
Barbosa afirmou ser claro o papel que cada um desempenhava no esquema e citou, um a um, a atuação deles na engrenagem do mensalão.
Para o presidente do Supremo, o ex-ministro José Dirceu “se manteve na posição de líder e organizador da quadrilha até que Roberto Jefferson veio a público denunciar a quadrilha”.
”Conforme se demonstrou fartamente, [foi Dirceu] que encaminhou os deputados interessados para que recebessem a propina mediante agendamento com os réus Delúbio Soares e Marcos Valério.
Não havia dúvida ainda do papel exercido por José Genoino como preposto de José Dirceu no Partido dos Trabalhadores. Delúbio Soares foi a referência dos parlamentares para saber quanto receberiam, a data e o local. Marcos Valério foi a fonte de todo o dinheiro ilícito, o canal por onde circulou o dinheiro ilícito usado para distribuir aos deputados”, enumerou.
Celso de Mello, o decano da Corte, também foi incisivo em sua críticas. Na opinião do ministro, o grupou agiu como uma “quadrilha poderosa que se apoderou do governo”.
Segundo Mello, os réus do mensalão são “delinquentes, agora condenados travestidos então da condição de altos dirigentes governamentais”.
“Os integrantes dessa quadrilha agiram com dolo de planejamento, divisão de trabalho e organicidade. Na verdade, era uma sofisticada organização criminosa. O Supremo não condenou neste processo atores políticos, mas impôs reprimenda pena a protagonistas de sórdidas tramas criminosas. Condenaram-se não atores ou dirigentes políticos ou partidários, mas sim autores de crimes”, afirmou.
O ministro defendeu ainda a atuação do Supremo durante o julgamento em contraponto à tática adotada pelas defesas dos condenados de afirmar que o mensalão foi uma farsa e que o julgamento teria sido feito ao arrepio da lei e de forma política.
“A ‘maior farsa da historia política brasileira’ residiu, isso sim, nos comportamentos moralmente desprezíveis, cinicamente transgressores da ética republicana de delinquentes travestidos então da condição de altos dirigentes governamentais políticos e partidários, que fraudou despudoradamente os cidadãos dignos de nosso país”, disse Mello.
Primeiro a votar pela manutenção das condenações na sessão de hoje, o ministro Gilmar Mendes criticou o fato de o julgamento ter se alongado demais, o que permitiu, por meio da substituição de dois membros que já haviam votado pela condenação, a reanálise do julgamento com o embargos infringentes. Rouco, mas deixando transparecer sua indignação, Mendes questionou como não poderia ser classificada como quadrilha um grupo de pessoas que se uniu para cometer uma série de crimes pelos quais foram condenados.
“Se os réus se juntam de forma continuada para cooptar apoio parlamentar mediante paga, se isso não é uma nova realidade, o que seria? Não tenho dúvida de que está caracterizado, de forma clara, a formação de quadrilha”, disse Mendes.
Segundo o ministro, um “grupo de delinquentes”, com apoio de núcleo publicitário e financeiro, degradou a atividade política com a adoção de práticas delituosas, nos subterrâneos do poder, que atentaram contra o o sistema político e financeiro nacional, além da paz pública.
O ministro ainda rebateu os argumentos de Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso de que a aplicação da pena por quadrilha foi desproporcional e lembrou que a pena para o mesmo crime aplicada ao ex-deputado Natan Donadon, também condenado pelo STF, foi de dois anos e três meses, semelhante ao aplicado aos réus do mensalão, agora absolvidos.
Marco Aurélio Mello também votou pela manutenção da condenação, mas deu guarida ao argumento dos ministros que absolveram os réus de que teria havido uma exacerbação nas penas de quadrilha em relação aos outros crimes. Contudo, discordou do veredicto dos colegas, que preferiram absolver os condenados em vez de declarar a prescrição do crime, e criticou a atual composição do STF que fez “o dito pelo não dito”.
“Cabe indagar, julgamos segundo critério de plantão? A resposta, presidente, e devemos honrar até mesmo os dois colegas que já não integram o colegiado, é desenganadamente negativa. O nosso pronunciamento se fez a partir da prova. E da prova, a meu ver, contundente, quanto à existência, não de uma simples coautoria, mas quanto à existência do crime previsto no artigo 288 do Código Penal”, disse.
O ministro ainda questionou a conclusão dos colegas que não teriam enxergado na união dos mensaleiros a figura de uma quadrilha formada com o único e exclusivo intuito de cometer crimes contra o sistema político, o sistema financeiro e a própria população.
“A continuidade da prática criminosa saltou os olhos. Durante quantos anos se houve a prática? Houve permanência, houve estabilidade e houve, acima de tudo, incindível entrosamento. Não tivesse a mazela sido escancarada, o governo atual no Brasil seria outro. A quadrilha se mostrou armada, mas não de arma de fogo ou branca. A quadrilha se mostrou armada de muito dinheiro”, atacou Marco Aurélio.
Os ministros ainda voltam a se reunir na tarde desta quinta-feira para iniciar a análise dos embargos infringentes interpostos por três condenados por lavagem de dinheiro que tiveram ao menos quatro votos favoráveis às suas absolvições. São eles: o ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o ex-assessor do PP João Cláudio Genu e o doleiro Breno Fischberg.
Confira como ficam as penas dos oito réus absolvidos do crime de formação de quadrilha:
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil
Como era: 10 anos e 10 meses, em regime fechado, por corrupção ativa e formação de quadrilha.
Como fica: 7 anos e 11 meses, em regime semiaberto, por corrupção ativa.
José Genoino, ex-deputado e ex-presidente do PT
Como era: 6 anos e 11 meses e multa, em regime semiaberto, por corrupção ativa e formação de quadrilha.
Como fica: 4 anos e 8 meses, em regime semiaberto, por corrupção ativa.
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT
Como era: 8 anos e 11 meses, em regime fechado, por corrupção ativa e formação de quadrilha.
Como fica: 6 anos e 8 meses, em regime semiaberto, por corrupção ativa.
Marcos Valério, operador do mensalão
Como era: 40 anos, 4 meses e 6 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha.
Como fica: 37 anos e 5 meses e 6 dias , em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Cristiano Paz, ex-sócio de Marcos Valério
Como era: 25 anos, 11 meses e 20 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
Como fica: 23 anos, 8 meses e 20 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro.
Ramon Hollerbach, ex-sócio de Marcos Valério
Como era: 29 anos, 7 meses e 20 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha.
Como fica: 27 anos, 4 meses e 20 dias, em regime fechado, por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural
Como era: 16 anos e 8 meses, em regime fechado, por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e formação de quadrilha.
Como fica: 14 anos e 5 meses, em regime fechado, por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas.
José Roberto Salgado, ex-dirigente do Banco Rural
Como era: 16 anos e 8 meses, em regime fechado, por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e formação de quadrilha.
Como fica: 14 anos e 5 meses, em regime fechado, por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas.