Os áudios divulgados pela Folha neste domingo, em que Fabrício Queiroz fala de seu passado junto ao clã Bolsonaro e sonha com o futuro, podem explicar parte da insônia do presidente. E talvez ajudem a elucidar a agressividade desses novos aristocratas.
O ex-faz-tudo de Flávio Bolsonaro fala com alguém de seu círculo de relações, com quem tem intimidade. E, como resta evidente, o interlocutor tem acesso privilegiado ao presidente da República. E ambos são, nas suas palavras, fiéis àquele que chama de “chefe”.
Sim, há algo de grande que Queiroz teme muito. E é claro que a coisa não vale pela metáfora, mas por aquilo a que esta alude.
Mais: é perceptível que ele está meio cansado de, segundo o seu ponto de vista, ser o alvo da estrovenga. Leiam o que disse:
“É o que eu falo, o cara lá está hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. Ver e tal… É só porrada. O MP [Ministério Público] tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente. Não vi ninguém agir”.
O “cara hiperprotegido”, intui-se, ou é o próprio presidente ou é Flávio. Afinal, a tal “pica do tamanho de um cometa” que ameaça Fabrício tem a ver com o laranjal que brotou no gabinete do então deputado estadual, hoje senador, certo? É isso que faz dele um investigado.
Percebe-se que Queiroz está um tanto ressentido, vendo-se como boi de piranha. E não nota esforços — não, ao menos, os de que gostaria — do clã Bolsonaro para preservá-lo.
“A GENTE”
Perceberam? Queiroz fala em nome de uma espécie de família. Ele se sente parte do projeto e um da turma. Na conversa com o interlocutor, a que a Folha teve acesso, diz:
“Era para a gente ser a maior força, a gente. Está todo mundo temendo, todo mundo batendo cabeça”.
UMA LARANJA
Queiroz comenta a situação de Cileide Barbosa Mendes, 43, doméstica da família Bolsonaro e “laranja” na empresa do ex-marido de Ana Cristina Valle —Ana é ex-mulher do presidente.
“Na época, o Jair falou para mim que ele ia exonerar a Cileide porque a reportagem estava indo direto lá na rua e para não vincular ela ao gabinete. Aí ele falou: ‘Vou ter que exonerar ela assim mesmo’. Ele exonerou e depois não arrumou nada para ela não? Ela continua na casa em Bento Ribeiro?”.
LAPIDAR A BAGUNÇA
Sempre apelando à metáfora, digamos, “astrofálica”, Queiroz quer voltar ao jogo para ajudar o “Jair”. E se juntar ao interlocutor para levar adiante o intento:
“Resolvendo essa pica que está vindo na minha direção, se Deus quiser vou resolver, vamos ver se a gente assume esse partido aí. Eu e você de frente aí. Lapidar essa porra”.
O falo meteórico continua a assombrar o ex-assessor de Flávio, mas ele não perde as esperanças:
“Torcendo para essa pica passar. Vamos ver no que vai dar isso aí para voltar a trabalhar, que já estou agoniado. Estou agoniado de estar com esse problema todo aí, atrasando a minha vida e da minha família, a porra toda.”
Não vê a hora de voltar a servir ao “chefe”:
“Politicamente, eu só posso ir para partido. Trabalha isso aí com o chefe aí. Passando essa ventania aí, ficamos eu e você de frente. A gente nunca vai trair o cara. Ele sabe disso. E a gente blinda, a gente blinda legal essa porra aí. Espertalhão não vai se criar com a gente“.
O contexto deixa claro que Queiroz se refere ao PSL do Rio — e o Rio parece ser o território preferencial da “gente” do PM reformado.
CRIMES?
Nos áudios que vieram a público, não há a confissão ou a referência a crimes ou irregularidades, com a possível exceção do caso da doméstica Cileide Barbosa Mendes, laranja do ex-marido de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente.
Os motivos de inquietação, dado o que se ouviu, estão na evidência de que Queiroz e a família Bolsonaro pertenciam a uma espécie de irmandade mesmo, não?, e de que o homem está insatisfeito com o tratamento que vem recebendo dos aliados.
Afinal, ele não é, a seu juízo, um “hiperprotegido”.
Isso sempre pode ser um risco se o sujeito guarda alguns segredos do passado.
Mais: um pouco alheio, tudo indica, à realidade, ele não se dá conta dos riscos que representa para o clã Bolsonaro. Tanto é assim que julga poder ocupar a ribalta.
Nas boas lava-jatos do ramo, seria a personagem ideal para uma delação premiada.
“A gente nunca vai trair o cara” é frase que já foi dita por muito traidor.
Ou traidor não seria, certo?