Reinaldo Azevedo – Mas por que razão, afinal de contas, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, não citou em seu despacho tresloucado para mandar prender o ex-presidente Michel Temer a suposta tentativa de um depósito de R$ 20 milhões na conta de uma empresa do coronel João Baptista Lima Filho, que a Lava Jato diz ser “operador” de Temer? Eu ousaria dizer que isso não aconteceu porque Bretas não é tonto. O documento no qual se baseia a acusação não vale um lenço de papel usado.
Bretas gosta de exibir os músculos na academia; divulga três dias antes da eleição depoimentos que comprometem o adversário de um amigo seu que também disputa o pleito; manda para o isolamento um preso porque cismou ter sido ameaçado; recebe, em companhia da mulher (agora não mais; STF cassou o benefício), dois auxílios-moradia, embora proprietário de imóveis de luxo; posa portando um fuzil; expressa simpatia por candidato à Presidência da República (no caso, Bolsonaro); manifesta-se defendendo o governo (no caso, o de Bolsonaro…); não se faz de rogado quando apontado candidato a juiz de corte superior (no caso, seria indicado por… Bolsonaro). Bem, ele pode fazer tudo isso, mas não é burro.
Preferiu estuprar e estripar o Artigo 312 do Código de Processo Penal com uma catilinária surrealista porque isso ainda lhe pareceu um caminho mais eficaz do que dar crédito à acusação do tal depósito. E que se note: ainda que tivesse existido, o que parece piada (vocês verão), forçoso seria evidenciar que o ato derivava mesmo de uma decisão tomada por Temer, que nem sequer foi formalmente acusado na investigação que acabou resultando na sua prisão.
Pois bem, meus caros: o trecho do relatório do Coaf ao qual apela o MPF está reproduzido acima. Transcrevo abaixo:
“O objetivo desta comunicação de boa-fé é apenas reportar a tentativa de depósito em espécie no valor de R$ 20 milhões. O depósito foi recusado na agência, sendo que na abordagem foi solicitado ao portador a comprovação da origem dos valores para recebimento e reativação da conta em atendimento à legislação de PLD vigente. O portador, que não se identificou, se retirou da agência e não obteve êxito na realização do depósito”.
Sei lá se câmeras filmaram o notável episódio ocorrido no dia 23 de outubro de 2018. Embora o texto do Coaf cite em “portador”, não aprece crível que alguém tenha entrado na agência arrastando algumas malas de dinheiro — e, tudo indica, sem acompanhante — para fazer o imodesto depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo.
Um dado chama a atenção na nota na comunicação do Coaf. Tratava-se de um conta desativada.
Então a “sofisticada organização criminosa”, como quer o MPF, que operava havia 40 anos, acusação não menos ridícula, comete o erro primário de tentar depositar R$ 20 milhões em dinheiro vivo numa conta que está zerada? E, claro, note-se que isso se deu uma semana depois de o delegado Cleyber Malta Lopes concluir o tal inquérito dos portos. Malta Lopes, diga-se, foi quem comandou a operação que resultou na prisão de Temer, com todos os requintes de um espetáculo.
Se eu estivesse fazendo um roteiro de um desses filmes B, diria que isso tem um certo cheiro de plantação de provas — a autoria fica por conta da imaginação de cada um. Convenham: alguém que incorresse em tal erro não estaria chefiando nem esquema pra bater carteira em ponto de ônibus, não é mesmo? Ou bem se trata de uma organização criminosa ou bem se trata de um bando de amadores bem-sucedidos que, com medo da investigação, resolvem depositar R$ 20 milhões em grana viva, o que corresponde a se entregar, não é mesmo?
E o tal que supostamente queria fazer o depósito, claro!, vai embora sem se identificar. Posso imaginar a frustração. Saiu com as suas malas de dinheiro, meio resfolegante, rumo ao estacionamento…
Dá para entender por que nem Bretas, que não é exatamente um ortodoxo, deu bola para a história.
“Ah, mas e se aconteceu assim mesmo? Aí a prisão preventiva estaria justificada, Reinaldo?”.
A resposta, obviamente, é “não”. Porque ainda faltaria ligar o dinheiro a Temer. Um dos requisitos para a prisão preventiva, segundo o Artigo 312 do Código de Processo Penal, é a contemporaneidade de ato criminoso… Vá lá: outubro de 2018 não está tão longe. Mas há também os pressupostos de uma preventiva: a prova de que o crime aconteceu e o indício de autoria. Também eles não estão dados.
A aberração fica mais clara a cada dia.