Deltan Dallagnol agora diz que participou de graça de reunião clandestina. Então tá! por Reinaldo Azevedo

Blog do Reinaldo Azevedo- Alex Tajira, repórter do UOL, enviou-me na noite desta sexta, a seguinte mensagem:

“A força-tarefa da Lava Jato me enviou um posicionamento em relação à sua matéria de hoje: ‘Sobre as publicações de Reinaldo Azevedo e do Intercept de hoje, o comparecimento ao encontro realizado pela empresa XP no dia 13 de junho foi gratuito e não remunerado. O objetivo do procurador no encontro foi divulgar as Novas Medidas Contra a Corrupção para possíveis formadores de opinião.’

COMENTO

Hein?…

Como se pode ler aqui, a XP Investimentos foi indagada sobre o pagamento a Deltan Dallagnol. Preferiu emitir uma nota anódina, como se habitasse o Olimpo e não devesse satisfação a ninguém sobre coisas que dizem respeito ao interesse público. Salvo melhor juízo, Deltan Dallagnol é um funcionário do Estado brasileiro. Disse oficialmente:

“É de praxe que instituições financeiras realizem reuniões exclusivas com autoridades e investidores institucionais com o objetivo de promover debates e discussões pertinentes ao cenário doméstico. O pagamento ou não de honorário é acordado entre as partes por meio de contrato.”

Errado. A resposta é cabível quando a empresa contrata entes privados.

MÁGOA

A Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), por exemplo, deve agora ficar magoada com o procurador. Para dar uma palestra lá, o doutor cobrou 30 K — “k” é uma unidade monetária que remunera procuradores da Lava Jato que costuram para fora. Cada “K” vale mil reais. Real é moeda para gente comum.

Não só. Tentando convencer o então juiz Sergio Moro a fazer a mesma coisa, Dallagnol disse a seu amigão: “Eu pedi passagens para mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram”.

Entendi.

O coordenador da Lava Jato só cobra caro de federação de indústria de Estado pobre.

Aos maiores bancos do país e do mundo, ele faz de graça. A XP Investimentos preferiu, como a gente vê, deixar para o próprio Dallagnol exibir a sua generosidade com os banqueiros. Tudo ficou por uma diária de Ford Fusion.

A Lava Jato e aqueles que a ela se acostumaram a não apostar na inteligência alheia. Vinha funcionando.

A propósito: estamos falando da “reunião privada” de maio do ano passado. Em setembro, o buliçoso procurador voltou à XP Investimentos, aí para a palestra para o tal “público mais heterogêneo”. Fez de graça outra vez?

Daqui a pouco alguém me envia uma mensagem do ministro Luiz Fux dizendo que também ele não cobra para participar de “reuniões privadas” com banqueiros aflitos.

Nos diálogos, aliás, o procurador perguntou se ministros recebiam “como palestra”. Débora Santos, que fazia o contato, preferiu não informar. Questão de ética. Vocês certamente entendem.

AINDA QUE FOSSE…

Que fique claro: ainda que Dallagnol participasse de “reuniões privadas” — do tipo que não são noticiadas pela imprensa, como destacou então a funcionária da corretora —, a impropriedade estaria dada.

Chamei a reunião de “clandestina”. Não é para magoar ninguém. É apreço pelas palavras.

Primeiro sentido da palavra no Houaiss: “feito às escondidas”. Mais um: “que não apresenta as condições de publicidade exigidas pela lei”. A origem da palavra está no verbo latino “celare”: ocultar, esconder.

Lembro as palavras de Débora Santos, falando em nome da XP Investimentos, com Dallagnol:

“Semana passada recebemos o presidente do TSE, ministro Fux, por exemplo e não saiu nenhuma nota na imprensa. Nem sobre a presença dele na XP. Assim já aconteceu com vários personagens importantes do cenário nacional, como você.”

É uma fala que imortaliza a era do combate à corrupção no Brasil, não é mesmo?

“Como uma ‘reunião privada’ com banqueiros pode ser clandestina, Reinaldo?”.

O “clandestino” sempre o é para uns, não para outros, certo? Os que participam da clandestinidade, por óbvio, são parceiros.

Dallagnol é um funcionário público. Deve satisfações ao Estado brasileiro — que, no caso, representa o povo, que paga o seu salário e está submetido às decisões que lhe cabem na esfera estatal em que atua.

Se o compromisso que estabelece com o ente privado para participar da “reunião” é que a dita-cuja se dê sem nenhuma publicidade, longe da imprensa, então o que se tem é uma reunião clandestina.

Não é uma questão de gosto nem um juízo de valor.

É uma questão de fato.

Podemos, claro,! nos dedicar a uma tertúlia etimológica. É um assunto que este “jurista” (com aspas) e blogueiro (sem aspas) — como Dallagnol gosta de me chamar — aprecia.

 

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