Um balanço do jornal britânco The Guardian sobre os primeiros seis meses de Jair Bolsonaro destaca a frustração de boa parte do eleitorado e o fato de 32% já considerarem sua administração ruim ou péssima, quase o triplo dos 11% registrados na posse
Por Tom Philips, no The Guardian (tradução de Regina Aquino) – O Brasil estava a poucas semanas do terremoto eleitoral do ano passado quando Lobão, lenda do rock brasileiro, saiu de seu estúdio caseiro, agitou seu smartphone e anunciou seu apoio ao candidato da extrema-direita.
“Cheguei a conclusão de que irei votar em Jair Bolsonaro”, declarou o roqueiro de direita em uma declaração de apoio pelo YouTube. “Bolsonaro é o único que tem chance de fazer algo novo”
No entanto, recentemente, o cantor de voz rouca sentou na cadeira no mesmo terraço em que fez a declaração anterior e admitiu estar vivendo um caso sério de arrependimento.
“É um monte de maluquices”, afirma Lobão sobre a crise criada por Bolsonaro, em sua estreia no poder, que foi marcada por lutas de facções, protestos de massa, alegações de relações com a mafia e corrupção envolvendo sua família, um escândalo de tráfico de cocaína envolvendo o avião presidencial e as perigosas revelações envolvendo seu célebre Ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Sem mencionar a série de gafes bizarras – incluindo o compartilhamento de um vídeo pornográfico com seus 3,4 milhões de seguidores no Twitter – que levou alguns a questionar se Bolsonaro conseguiria terminar seus 4 anos de mandatos.
“Nem Syd Barret fez uma viagem dessas”, diz Lobão. Seis meses depois de Bolsonaro ser empossado, Lobão, 61, emerge como um dos mais ferozes críticos na direita populista, atacando duramente a administração de Bolsonaro, em sucessivas aparições na mídia. E ele não é o único a estar abismado com tudo que acontece.
Pesquisa de Opinião mostra que a taxa de aprovação de Bolsonaro desmoronou desde sua posse em primeiro de Janeiro, com 32% considerando seu governo ruim ou péssimo, agora, comparado com 11% no momento da sua posse.
Mais da metade do Brasil diz agora que não confia no presidente.
“É um pior começo para uma presidência desde o retorno da democracia ( em 1990)” diz Mauro Paulino, diretor do Datafolha, um dos melhores entre os pesquisadores de opinião no Brasil. “Dependeria muito do adversário… mas se ocorresse uma eleição hoje, eu não acho que ele seria reeleito”.
Notório por sua belicosidade, sua retórica cheia de fel e seu desdem pelos direitos humanos, Bolsonaro tem sido, há muito tempo, uma figura odiada pela esquerda no Brasil.
Mas um crescente número de vozes conservadoras tem também questionado sua atuação na presidência.
“A popularidade dele está caindo porque as pessoas se sentem desconcertadas pelas coisas que faz e diz “, disse Eliane Cantanhêde, uma colunista do jornal conservador Estado de São Paulo, em uma outra das mais afiadas críticas a Bolsonaro.
O deputado estadual em São Paulo, Arthur do Val, insiste que ele e seu grupo “libertário”, Movimento Brasil Livre, não se arrependeram de apoiar Bolsonaro “nem por um segundo”. Ele acusa jornalistas hostis de esquerda de traçar um retrato do presidente do Brasil como um turrão, um ogro e “um Hitler de 2019 que quer matar homosexuais”.
Mas que destaque daria Val aos primeiros seis meses de poder de Bolsonaro? “Quatro e meio em dez” replica o político. “É ruim.”
A queixa básica de Val era a excessiva influência do lado ideológico da administração Bolsonaro – liderada pelo insólito e polêmico Olavo de Carvalho, morador estabelecido nos EUA – e sua obsessão em se meter em batalhas ideológicas irrelevantes ao invés de promover reformas importantes. Ele também está perplexo com o fato de que o controle das comunicações presidenciais tenha sido entregue ao “seu filho mais cabeça quente”, que lançou uma série de ataques pela mídia social contra inimigos internos da administração de seu pai e a direita no Brasil.
“As “palhaçadas” de tais figuras produzem o risco de habilitar o retorno da Esquerda”, alerta Val. “Se o país firma uma impressão negativa da Direita e volta a votar na Esquerda então eu penso que nós iremos cair num caminho perigoso.”
Bolsonaro ainda desfruta de suporte popular considerável, como demonstrado por duas recentes manifestações públicas pró-governo. De acordo com pesquisas de opinião 32% dos brasileiros acreditam que seu líder está no caminho certo, e creditam a ele a queda do número de homicídios e um acordo de comércio bilateral recentemente fechado entre EU e Mercosul.
“De maneira geral, eu acredito que as coisas estão indo bem”, diz Emerson Medeiros, um executivo de um banco com 44 anos, elogiando o que ele acredita ser o compromisso de Bolsonaro com a reforma da Previdência e a luta contra a corrupção. Na noite da vitória de Bolsonaro, Medeiros e sua esposa, Cláudia, se juntaram a uma grande comemoração em São paulo, declarando seu novo lider como o “salvador da pátria”.
Seis meses de presidência de Bolsonaro “eu me sinto tão animada como naquele dia”, diz a entusiasmada Cláudia, 44, “Eu realmente acredito”.
O casal nega ser um cego seguidor do presidente, ou um ‘bolsominion’ como são conhecidos no Brasil. “Eu não sou uma pessoa louca que o bajulará eternamente, no caso em que ele estragar as coisas ou se tudo der errado com seus filhos e eles forem mesmo corruptos”, diz Cláudia, em referência a suspeita de corrupção pairando sobre o filho mais velho de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro.
Eles também expressam desconforto com as mancadas públicas de Bolsonaro – incluindo sua recente insinuação de que o turismo sexual seria bem-vindo no Brasil desde que não fosse homossexual. “Mas ainda tenho o sentimento de que ele se move numa boa direção”, acrescenta Emerson. “ A mídia foca demais nas coisas ruins e nunca destaca as boas.”
Edson Salomão, um fundador do grupo Direita São Paulo, fez um relato mais brilhante de Bolsonaro, embora titubiasse quando perguntado pela lista de conquistas de Bolsonaro nos primeiros seis meses de governo. “Estou tentando lembrar de todas agora. Deixe-me dar uma olhada aqui” , buscando aflito no seu smartphone “São tantas.”
Salomão despreza o criticismo de Lobão considerando como divagações de um sujeito irrelevante. “Certas vozes prefiro não escutar – e Lobão é uma delas”, ele ri. “ Eu acho que ele é bom fazendo música – ele podia ficar nisso”
Mas Lobão, cujo nome real é João Luiz Woerdenbag Filho, não está arrependido de abrir o verbo, dizendo que não podia mais suportar ser associado aos fanáticos em torno de Bolsonaro. “ Eu não posso mais permanecer ao lado de um bando de fanáticos, vilões, vadios…terra-planistas”, ele se queixa.
“Estamos no colo de uma direita retrograda e absolutamente troglodita…[e] essa direita grotesca e caricata irá automaticamente, naturalmente pavimentar o caminho para o retorno da Esquerda”
Lobão diz que enxerga algumas características redentoras na administração Bolsonaro, principalmente o pragmático vice-president Hamilton Mourão e o ministro das Finanças Paulo Guedes – “ um cara legal” que ele espera que possa puxar a economia do brasil para fora do “atoleiro”.
Mas principalmente ele sentiu repulsa ao seu tom reacionário e a aderencia que o Bolsonaro tinha a apresentadores evangélicos de quinta.
Em sua declaração no período pré-eleitoral, Lobão admitiu não ter menor ideia para onde o governo Bolsonaro podia levar. “ É uma aventura? Sim, é uma aventura. Eu não sei o que acontecerá.”
Dez meses depois, o roqueiro barbudo parece ainda mais inseguro. “Brasil é uma nave espacial doida. Então tudo pode acontecer – e nós estamos dentro dela,“ Lobão versa. “Esse é o problema” .