Rede social abriga arriscado mercado de venda e doação de esperma

Enquanto muitos usam as redes sociais para exibir fotos da prole, outros buscam ali o tão sonhado filho. Em grupos públicos ou fechados, especialmente no Facebook, casais com dificuldades para engravidar, homoafetivos e mulheres solteiras movimentam um mercado de doação e venda de esperma.

No mundo virtual, elas dizem seu período fértil, localização e pedem voluntários para a data. Já eles postam ofertas de ajuda e garantias de saúde. Alguns exibem fotos de potinhos etiquetados: “Good luck” (boa sorte, em inglês). No mundo real, elas vão precisar.

Médicos alertam que, em função do tempo em que os vírus podem ficar “escondidos” no organismo, essa prática expõe a mulher e — no caso de uma gravidez — o bebê a riscos de contaminação por Aids, hepatites C e B, entre outras doenças.

Mais comuns na Europa, esses “pais de aluguel” começam a se multiplicar no Brasil e atuam em três modalidades: AI (sigla em inglês para inseminação artificial), NI (inseminação natural, ou seja, sexo), e PI (inseminação parcial, quando o doador se masturba, e a penetração ocorre apenas para ejaculação).

Links direcionam para páginas que vendem kits de armazenamento de sêmen para envio expresso por correio. Alguns preferem o anonimato. Outros marcam encontros em casa ou em hotel. Tudo previamente combinado, afirmam os envolvidos. Tudo absolutamente inseguro, alertam os médicos.

— Esse tipo de doação direta, sem triagem nem acompanhamento médico especializado, é totalmente não recomendável. Nas clínicas de fertilização, o doador passa por triagem clínica e por exames para descartar doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como Aids e hepatite C.

Só então, colhe a amostra de esperma, que é congelada em nitrogênio líquido, para que os espermatozoides fiquem preservados. Os exames são repetidos seis meses depois, para evitar a chamada janela imunológica, quando o vírus ainda não aparece nos testes.

Só então a amostra é liberada — explica Adelino Amaral, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.

Algumas clínicas vão além e oferecem exames que eliminam mutações genéticas. Nas trocas de mensagens no Facebook, muitos exigem a apresentação de exames descartando DSTs, atestados de saúde e histórico de doenças da família.

Há quem ache melhor do que nada, mas a medida está longe de garantir segurança ao método de “doação a fresco”. Aqui, os riscos são reais e podem ser fatais ou levar à infertilidade definitiva por DSTs.

Apesar de a doação de esperma não ser remunerada no Brasil, por determinação da lei, uma amostra, suficiente para uma inseminação, custa nas clínicas de fertilidade entre R$ 2.500 e R$ 3 mil, em função dos custos envolvidos. Somem-se a esse valor o preço do tratamento de inseminação intrauterina, cuja taxa de sucesso gira em torno de 20%; ou de fertilização in vitro, com 40% de taxa de sucesso. Nessa etapa, os gastos variam de R$ 5 mil a R$ 30 mil, por tentativa. Em todo o país, apenas 12 serviços oferecem tratamento contra infertilidade pelo SUS.
Nenhum no Rio de Janeiro. Na escassez de oferta, forma-se um mercado alternativo de alto risco.

Gay afirma ter colaborado em dez gestações
No grupo “Sperm Donors:)”, que conta com quase três mil membros de várias partes do mundo, um jovem gay, de 26 anos, afirma ter contribuído para o nascimento de dez bebês de nove mulheres que buscavam um doador nos últimos 13 meses.

Enquanto eles postam fotos de lindos bebês, muitos de olhos azuis, elas exibem imagens de testes de gravidez.

Quando o resultado é positivo, ganham “likes” e felicitações. Quando a tentativa falha, recebem mensagens de incentivo: “vai dar certo na próxima vez”.
— A efetividade de se inserir sêmen por meio de uma seringa na vagina é de 4% a 5% — esclarece Assumpto Iaconelli Junior, diretor do Fertility Medical Group.

Em grupos fechados do Facebook, há ainda listas negras de pessoas banidas por infringirem as regras, como ser rude e insistir no método NI, quando a interessada deixa claro que só deseja AI.

Na comunidade “Doadores de sêmen”, um rapaz que se diz carioca deixa seu relato: “Graças a Deus, pude ajudar três casais e uma mãe solteira que queria produção independente. Foi legal e satisfatório”. Ele afirma que mantém contato, por meio de fotos, com as crianças. “E fico feliz por estarem bem tratadas e orientadas pela família. Na Europa, esse tipo de ‘pai de aluguel’ é comum, e aqui ainda é uma barreira. Há casais que não têm condições de pagar inseminação e optam por isso. O grande lance é como isso é acordado entre as partes, tem que ser tudo com respeito e responsabilidade”. Nas conversas privadas, alguns mandam o preço: em torno de R$ 3 mil.

— Isso é uma loucura. Essas pessoas estão correndo um grande risco — alerta a diretora do Banco de Sêmen Pro-Seed, em São Paulo, Vera Feher Brand.

Nos comentários de uma postagem, uma mulher que acabara de festejar sua gravidez deu à outra sua “dica de segurança”. Perguntada se não teve medo de ser contaminada por DSTs, ela respondeu: “Procure um doador recomendado, que já tenha ajudado outras mulheres. Se elas estão bem, você também ficará”. Um doador acrescenta: “evite os que cobram pelo esperma. Você deve pagar apenas os custos do envio do esperma ou, se marcarem um encontro, do deslocamento dele. Os únicos doadores que pagarão suas próprias despesas são os doadores NI. Sexo é a sua recompensa”.

Preocupaçōes com questōes jurídicas aparecem de forma mais velada nos grupos do Facebook. Um doador, no entanto, foi bem claro: “alguns doadores não vão fazer perguntas. Esses tendem a ser doadores anônimos. Outros vão fazer muitas perguntas. Tendem a ser doadores que se deixarão conhecer e que estão tentando descobrir se correm risco de uma ação judicial futura de apoio financeiro à criança, caso doem seu esperma para você”.
Em função disso, muitos preferem doar para casais. Hetero ou homoafetivos, tanto faz.
— É uma roleta russa — conclui Vera Brand.
Glossário para quem usa a rede
Delivery Man – doador comprovado/certificado por outras mulheres do grupo, que já usaram o esperma dele.

Donorsaur – doador que é velho demais para a pretendente.

Egg alert – quando uma mulher está ovulando.

Joy juice – suco de alegria (em inglês), ou seja, esperma.

Sperm Cadet – doador que é jovem, inexperiente e tem o esperma valorizado no grupo.

Spermdroid – como o homem se sente depois de doar todos os dias, por uma semana ou mais, para diferentes e muitas mulheres. Na definição de um dos grupos do Facebook direcionados à doação de esperma, uma máquina de doar.

Coqueteleira – mulher que recebe esperma de múltiplos doadores e, durante o seu período fértil (monitorado por meio de testes de farmácia), faz uma “loteria de esperma”, na tentativa de engravidar.

Spermelicious – um esperma “digno”, cujo doador é um homem bonito.
Spermission – quando uma mulher tem que escolher entre as cem ofertas de doação de esperma que recebeu por meio da rede social.

Sperm Prostitute – um homem que doa e cobra mais do que as despesas razoáveis de viagem (quando o método de doação é NI, sexo) ou de envio, no caso dos que mandam a “encomenda” por serviços de entrega rápida. Em perfis nacionais, alguns “doadores” cobram pelo esperma em mensagens privadas.

EXTRA

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