“Meu filho se recusou a entregar um caderno que guardava, durante uma das revistas; pediram para ele engolir folha por folha, mas só conseguiu comer duas e foi espancado. Tenho certeza que ele vai sair mais revoltado quando for posto em liberdade, porque, quando as pessoas entram lá, moça, é como se elas acabassem. Queremos que a sociedade saiba o que acontece em Pedrinhas.”
O desabafo é da mãe de um dos presos do complexo penitenciário que, nas duas últimas semanas, foi o epicentro da crise de segurança pública que expôs para o Brasil as fragilidades do sistema carcerário do Maranhão. Foi de Pedrinhas, segundo o próprio governo de Roseana Sarney (PMDB), que teriam partido as ordens de ataques a quatro ônibus de São Luís e arredores, em um dos quais, morreu uma criança de seis anos. Desde 2013, a unidade teve assassinados mais de 60 presos; alguns, decapitados.
Com medo de retaliações, a entrevistada preferiu que os nomes dela e do filho fossem resguardados. O rapaz tem pouco mais de 20 anos e foi preso em fevereiro do ano passado depois de tentar roubar a bolsa de uma mulher. Foi condenado a cumprir pena em regime semiaberto (em que o preso trabalha de dia e dorme na cadeia, à noite), mas está prestes a completar 12 meses no fechado.
É também, segundo sua mãe, um dos cerca de 150 presos que fazem greve de fome em uma das oito unidades prisionais que foram o complexo.
A tortura de que o jovem teria sido vítima foi formalizada à Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – entidade criada há 35 anos, durante a ditadura militar, e que se diz impedida pelo governo estadual de ter acesso ao interior do complexo penitenciário desde dezembro, mês em que ocorreram as decapitações de internos.
“O preso que entra em Pedrinhas não tem voz. Se é torturado, não pode reclamar porque aí sofre mais tortura. Não tem trabalho para eles dentro do presídio. Pode imaginar como essas pessoas vão sair um dia de lá?”, questionou a mulher.
Segundo ela, o filho relata que a situação piorou desde a rebelião de outubro. Foi depois dela que Pedrinhas foi ocupada por agentes da Força Nacional de Segurança e por homens da Tropa de Choque da Polícia Militar.
“Meu filho é dependente químico e está hoje em uma cela para seis pessoas, mas que tem 19. Eles não dormem em camas, mas em ‘pedras’ – são seis ‘pedras’ por cela. A primeira vez que fui visitá-lo em Pedrinhas, só me lembro de ter visto um rato, do tamanho de um gato, passando por uma das celas e pelo monte de lixo que havia lá. E se abrem a boca, diz ele, são espancados pela polícia”, relatou.
Também sob a condição de anonimato, a irmã e cunhada de um casal de presos de Pedrinhas foi outra a encaminhar à entidade civil denúncia de tortura de que os parentes teriam sido vítimas. Ambos com 25 anos, estão presos há três meses acusados de tráfico.
“Meu cunhado está no CDP (Centro de Detenção Provisória, onde ocorreram mortes com decapitações, em dezembro) com o braço quebrado e baleado. Nunca o levaram ao hospital. Agora ele está no presídio de São Luís 2 (outra unidade do complexo)”, disse a mulher, que completou: “A gente tem esperança de que isso mude, porque, se não mudar, a chance de ter novas rebeliões lá dentro é muito grande”, completou.
Entidade recorre novamente à OEA
Conforme a advogada Josiane Gamba, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, os relatos das duas mulheres são apenas uma parte do que a entidade vem recebendo principalmente desde dezembro passado.
“São muitas queixas que nos chegam de mães e mulheres de presos que afirmam, por exemplo, haver tiros constantes de pistola de madrugada, pelas forças militares, e a ameaça de um novo Carandiru”, disse, referindo-se ao massacre de 111 presos da antiga Casa de Detenção de são Paulo, em 2 de outubro de 1992. PMs foram acusados – e parte deles, condenados ano passado –das mortes.
De acordo com a militante, as denúncias encaminhadas pelos parentes dos presos têm sido encaminhadas pela entidade à ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública do Estado e à Secretaria Estadual de Direitos Humanos.
Nessa quinta, a Sociedade Maranhense solicitou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (Cidh-OEA) que receba, em audiência em Washington, representantes da sociedade civil e parentes de presos mortos em Pedrinhas.
Após a rebelião de outubro passado, a entidade e a Ordem dos Advogados do Brasil no Maranhão (OAB-MA) apresentaram à comissão da OEA denúncia contra o Estado brasileiro. Em resposta, o organismo internacional expediu recomendações ao governo brasileiro para se evitarem mais mortes em Pedrinhas. Entre elas, estavam a redução imediata da superlotação no complexo e a adoção de medidas de investigação dos fatos.
“Não tivemos qualquer retorno sobre o cumprimento dessas recomendações; sequer sabemos se essas investigações sobre as mortes existem. Mesmo depois dessa manifestação da OEA, foram mais nove mortes no complexo”, observou o advogado Igor Almeida, também da Sociedade Maranhense.