Como se mede o valor de um homem?
2020 tem sido um ano difícil. O enfrentamento da morte, antes algo tão distante e relegado a segundo plano, transmutou-se, adquirindo contornos densos, com nomes e rostos conhecidos.
E lidar com o fim da vida nos provoca a necessidade de refletir sobre questões mais profundas.
Hoje recebi a notícia da morte do meu querido avô, Horácio de Almeida Castelo Branco, aos 97 anos. Mais uma, dentre tantas vítimas da Covid 19.
Em tempos de perdas tão dolorosas de conhecidos, amigos e até entes queridos, inevitável se questionar: O que fica após a morte? Estamos vivendo a vida da melhor forma? Que legado deixaremos? Como se mede o valor de um homem?
Coração e mente em conflito se voltam para ele, Horácio, cuja vida foi, sem dúvida, inspiradora.
Minhas primeiras lembranças dele remontam às vezes em que ía buscá-lo no aeroporto, ao chegar à cidade. Ele, sempre generoso, trazia presentes para todos e me brindava com alguma guloseima, ainda que contrariando minha mãe.
Aliás, muito sobre meu avô, vi através dos olhos da minha mãe, que tanto o amava e admirava. Em minha infância, contava histórias sobre ele que me mantinham atenta e com o coração aquecido.
Quando vinha para nossa cidade, quase sempre ficava em nossa casa. Ao acordar, já o encontrava com um grande sorriso no rosto e muita disposição para brincar. Gostava de mostrar como estava em plena forma, levantando os halteres do meu irmão.
Eu ficava assustada mas ele sempre me surpreendia, mostrando que sua força não era só interna, mas física também.
Cantava sempre que me via…”Lady Laura”…ou…”Laura, um sorriso de criança”…. (confesso que esta última não conheço…).
Trago o nome de sua mãe e talvez isso o inspirasse a cantar ao me ver.
Horácio viveu a vida de maneira simples. Morava no interior do Estado. Muito trabalhador, chegou a ser Presidente da Câmara de Vereadores de sua cidade. Não construiu fortuna, nem grande patrimônio. Mas parecia usufruir a vida de maneira invejável, sempre leve.
Alimentava-se de maneira correta, sem abusos e mantinha-se sempre ativo.
Soube aproveitar cada momento da vida, reconhecendo a felicidade nas coisas simples.
Muitos dos seus numerosos filhos traziam os olhos cheios de brilho e amor ao falar dele.
Todos gostavam de sua companhia. Conversador, agradável, gentil, brincalhão. Como não gostar de alguém assim?
Seu amor pelas pessoas e pela vida certamente contribuiu para que vivesse por quase um século, fazendo “jus” ao significado se deu nome: Horácio – aquele que é pretegido pelas horas, pelo tempo….
Minhas lembranças deste homem me trazem a imagem de um ser humano leve, forte, inteligente, simples, lutador, bem humorado, afetuoso, generoso…não lhe faltam adjetivos…
Há quem vá dizer: ” Não era perfeito, também tinha seus defeitos.”
Sim e isso o fazia humano, como todos nós, com nossas falibilidades.
Felizes os que passam pela vida como meu avô, que mesmo nos seus últimos dias, internado em um hospital, ainda reuniu forças para…cantar….
Ser tão amado e querido por tantos, sorrir e fazer sorrir, ser generoso mesmo não dispondo muito, ser admirado por aqueles com quem convive, servindo de exemplo e inspiração para viver de forma plena, deixando um legado de amor e uma doce saudade…aí reside o valor de um homem…
Não haverá velório ou despedidas prolongadas…mas fico feliz e grata pelo nosso último encontro em que o abracei e beijei muito, durante um maravilhoso almoço em família, feito em sua homenagem, onde mais uma vez pudemos demonstrar, em vida, nosso amor por você.
Vovô, você partiu…mas sempre será lembrado em nossos corações pelo seu inestimável legado de amor…
Da sua neta, Laura….